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Aldo Pereira

Licenças para emitir dinheiro

Só o Banco Central pode emitir moeda, mas o próprio usa vales-refeição para suplementar a remuneração de seus funcionários?

Em setembro de 1996, a Receita Federal propôs que o governo obrigasse as empresas a pagarem seus empregados em reais, e não em tíquetes, ou cupons, ou vouchers, enfim, algum papel-moeda de emissão particular. A proposta gerou temores e tremores, mas o terremoto não se consumou: prevaleceram forças subterrâneas de lobby.

Trabalho pago em reais gera 20% de encargos previdenciários sobre salário, 13º, férias e tudo o mais que o empregador desembolsa para cumprir obrigações trabalhistas. Por lei, contudo, tais encargos não incidem sobre trabalho pago com vale-refeição e vale-alimentação. Para o pessoal da Receita e da Previdência, tal privilégio configura subsídio da esquálida Previdência ao gordo sistema de intermediação financeira do consumo de alimento.

Enquanto almoça ou janta, assalariado típico do Brasil desvia invisíveis garfadas e colheradas para a boca também invisível aberta junto à mesa. Alimentação é a mais vital de todas as atividades econômicas, valor medido em guerras e outros horrores, tanto hoje quanto ao longo da história. Daí sua intermediação valer bilhões, não apenas de reais, mas de dólares e euros.

Em 2007, a VR, então líder do setor, vendeu sua divisão de vouchers de refeições à Sodexo por R$ 1,03 bilhão. Bagatela: Sodexo é a então Sodexho ("Société d'Exploitation Hôtelière"), multinacional francesa com valor de mercado superior a US$ 14 bilhões. Opera há décadas sobretudo em "catering", fornecimento de refeições, mas no Brasil prefere o mercado de "benefícios".

"Benefício" é eufemismo que algum criativo relações-públicas inventou para referir vale-refeição (moeda para pagar comida servida em restaurantes, lanchonetes e congêneres) ou vale-alimentação (moeda para pagar alimento em supermercados, mercearias e congêneres).

Nesta década, vale-refeição e vale-alimentação evoluíram para vouchers eletrônicos, cartões recarregáveis integrados ao sistema de compensação financeira no qual sobressaem empresas bem mais poderosas que a Sodexo, como a Cielo (Bradesco e Banco do Brasil, valores de mercado respectivos, US$ 72 bilhões e US$ 38 bilhões) e Rede (ex-Redecard, Itaú-Unibanco, US$ 82 bilhões).

Você não usa cupons de vale-refeição e vale-alimentação como há alguns anos. Hoje você dedilha "maquininha" dessas usadas até para pagar táxi. (Não, por enquanto nenhum relações-públicas inventou nome específico para a "maquininha".) Ou seja: licenças para emitir dinheiro confluíram para a torrente de dados que trafegam, na velocidade da luz, entre cartões de crédito ou débito, maquininhas, notebooks e celulares, rumo à cachoeira silenciosa de computadores bancários.

Quando dedilha a senha para efetivar transação de vale-refeição ou vale-alimentação, você paga não apenas aquilo que comeu ou tenciona comer. No valor do saquinho de feijão comprado com vale-alimentação, o supermercado embute encargos como taxa de administração e anuidade dos cartões, mais o custo do prazo de reembolso (tipicamente umas três semanas). Assim, uns 5-7% irão da maquininha instantaneamente para algum computador duma gerenciadora de "benefícios", rumo à cachoeira.

Dois dispositivos constitucionais sobre essa matéria parecem esquecidos: art. 21, VII (compete à União emitir moeda.) e art. 164 (a competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo banco central [sic]). Banco Central? Ué, mas esse e outros bancos oficiais não usam os tais vales para suplementar a remuneração de seus funcionários?

aldopereira.argumento@uol.com.br


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