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Flavio Flores da Cunha Bierrenbach

TENDÊNCIAS/DEBATES

Estatuto do Morto

Como todos sabem, as leis e os estatutos resolvem prontamente as questões que lhes dão origem, como deverá ocorrer com a dos arapongas

A complexidade dos diversos sistemas jurídicos costuma ser inversamente proporcional ao padrão de civilização dos habitantes de seus respectivos países. No Brasil, por exemplo, há um aranzel de leis e abundam os estatutos. Há estatutos da criança e do adolescente, do idoso, do desarmamento, dos militares, dos advogados, da terra, de quase tudo. Já houve até da mulher casada, mas depois foi revogado, em nome da liberdade sexual ou da igualdade de gênero.

Há poucos dias, foi assinado o estatuto da internet, batizado de "marco civil", escapa-me a razão. Agora foi a vez dos museus. Diante da controvérsia que remanesce quanto à realização da Copa do Mundo, fiquei sabendo que existe um Estatuto do Torcedor. Deve ter sido responsável pelo fim da violência nos estádios, agora chamados de "arenas", não sei por que, talvez um padrão Fifa. Em seguida, segundo alvitra a presidente da República, haverá também um estatuto da espionagem. Aliás, em boa hora, pois até o Itamaraty foi vítima.

Como todos sabem, as leis e estatutos resolveram prontamente as questões que lhes deram origem, como deverá acontecer também com a dos arapongas. No ano passado, foi promulgada a lei nº 12.846/2013, a Lei Anticorrupção. Por distração, não tendo sido chamada de estatuto do corrupto, é possível que ainda não tenha cumprido seus nobres propósitos.

Li recentemente crônica do Antonio Prata ainda abalado com a morte súbita e anônima de um cidadão diante de um ponto de ônibus, olhando a vitrine de uma loja de instrumentos musicais. Lembrei as denúncias relativas a mortos indigentes que teriam sido sepultados em vala comum, em São Paulo, e diante dos arrepios que esse episódio provocou, imaginei que talvez a ideia de um "Estatuto do Morto" pudesse inspirar o próprio governo, ou a oposição, caso existisse.

Claro que ninguém ousará imaginar que venha a resolver o problema do destino intrínseco à vida; a própria morte, enfim. Porém, permitiria solucionar outras questões para dar --digamos-- uma qualidade de vida ao morto, além de bastante trabalho aos juristas. Poderia começar assim: "Art. 1 "" Considera-se morto:".

Abrem-se inúmeras hipóteses, é claro, cada uma albergada em parágrafos, incisos e alíneas, como convém e como a complexidade do tema demanda. Diante do tempo que leva para ser aprovado um projeto de lei no Congresso Nacional --desde que não apresentado pelo Executivo--, todas as emendas pertinentes serão apreciadas. Essa questão do tempo acrescentará um pequeno dilema aos congressistas. Afinal, poderão ser acusados de estar legislando em causa própria.

Na exposição de motivos, não será possível deixar de observar que durante a ditadura, nem faz tanto tempo assim, muita gente foi sepultada com atestados de óbito falsos. Algumas certidões só estão saindo agora. Outros desapareceram, sem qualquer lei ou documento, casos típicos de morte presumida. Várias hipóteses merecerão destaque. Para ser considerado politicamente correto, deveria ser "Estatuto do Morto e da Morta", abrindo espaço para todos e todas as possibilidades.


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