Descrição de chapéu

Peça acerta no tom exagerado da tragédia rodriguiana 'A Serpente'

Tudo se passa em ato único, de grande concentração de ações e síntese nos diálogos

Mariana Delfini
São Paulo
Cena do espetáculo "A Serpente", com os atores Carolina Lopez, Fernanda Heras, Maria Guedes, entre outros
Cena do espetáculo "A Serpente", com os atores Carolina Lopez, Fernanda Heras, Maria Guedes, entre outros - Lenise Pinheiro/Folhapress

O ambiente enfumaçado, os violinos e o cenário abreviado e simbólico já apontam a tragicidade

Não é de estranhar que a situação seja privilegiada no universo rodriguiano, comenta Sábato Magaldi (1927-2016). "Ela contém muitos elementos psicanalíticos e poéticos, além de apelar para o mito de um sangue fatalizar-se por outro sangue", escreve o crítico, que se debruçou sobre a obra de Nelson Rodrigues.

Trata-se do motivo de duas irmãs vinculadas ao mesmo homem; se ele aparece em vários textos do autor, em "A Serpente" torna-se a única trama.

Tentando salvar a irmã Lígia, que ameaça se matar diante da impotência do marido, Guida lhe oferece uma noite com Paulo, seu próprio marido, para que a irmã perca a virgindade e se convença a continuar vivendo. Lígia e Paulo se apaixonam, é claro; Guida tenta retomar o controle da situação, sem sucesso.

O desejo, a paixão, a desmedida são as serpentes do título dessa peça curta, a última de Nelson, de 1978. Tudo se passa em um único ato, de grande concentração de ações e síntese nos diálogos, levando a um crescendo de tensão.

Os exageros e a intensidade propostos pelo diretor Eric Lenate para o texto mantêm o espectador teso na montagem em cartaz no teatro Faap.

O ambiente enfumaçado, os violinos da trilha sonora e o cenário abreviado e simbólico --uma única cama engaiolada-- já apontam a tragicidade da cena. Chegam então as personagens, em uma dança assertiva que não deixa dúvidas quanto à caminhada rumo à fatalidade.

As mulheres, destaque na montagem, invadem o palco sem hesitação, e o espelhamento entre as irmãs --na trama, mas também no figurino e no jogo corporal em cena-- carrega o espetáculo.

É especialmente bonita e terrível a fala de Lígia (Carolina Lopez) e Guida (Fernanda Heras), cantos de lamentação que esticam os diálogos entrecortados de Nelson e não deixam dúvidas quanto ao tom dessa "tragédia carioca", na classificação de Magaldi.

Os homens patinam entre personagens femininas. Décio ganha uma personalidade infantilizada, também quando vence sua impotência com a "crioula" (Mariá Guedes).

Nos apartes que dão algum aporte psicológico aos personagens, Décio escapa da superficialidade, encorpando-se ainda mais pela expressividade de Paulo Azevedo. Já Paulo (Juan Alba), se é agente na fatalidade, é também um joguete das irmãs, cuja relação é central na peça.

"Supremo sacrifício, generosidade da irmã --ou que outras conotações revelara o oferecimento?", se pergunta Magaldi quanto à proposta de Guida, seu erro trágico.

"Homossexualidade por procuração? Desejo de provar-se superior? Apaziguamento de culpas antigas?" Nelson não desvenda o mistério, conclui o crítico, e Lenate investe nessa virtude do texto.

A SERPENTE

  • Quando sex., às 21h30, sáb., às 21h, dom., às 18h; até 11/2
  • Onde teatro Faap, r. Alagoas, 903, tel. (11) 3662-7232
  • Preço R$ 60
  • Classificação 16 anos
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