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Televisão

Filme de Davi, vencedor do BBB, é propaganda ruim e difícil de engolir

Direção tenta nos convencer de que clima de sua vitória no reality era proporcional a uma final da Copa do Mundo

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Thiago Stivaletti

Davi: Um Cara Comum da Bahia

  • Quando Disponível no Globoplay
  • Classificação 12 anos
  • Produção Brasil, 2024
  • Direção Duda Martins

Antes de tudo, é preciso lembrar que "Davi: Um Cara Comum da Bahia" não é um documentário no sentido jornalístico. É uma peça promocional da grande máquina que é o Big Brother Brasil, produto de maior faturamento hoje na Globo.

O objetivo de seus produtores é confirmar que o público estava coberto de razão ao dar ao baiano Davi Brito o prêmio final de R$ 2,9 milhões. Se outro tivesse sido o campeão, outro seria o documentário —o importante é demonstrar que "a voz do povo é a voz de Deus".

Davi Brito é o campeão com 60,52% dos votos

Por outro lado, é preciso lembrar que o jovem baiano de apenas 21 anos é o primeiro vencedor do reality a merecer um documentário no Globoplay desde a campeã de 2021, Juliette —o ator Arthur Aguiar e a médica Amanda Meirelles, vencedores das últimas edições, não tiveram suas trajetórias contadas.

Qual o motivo? A resposta está na palavra "representatividade". Juliette como uma mulher nordestina, Davi como um homem preto e nordestino de origem muito humilde.

Difícil é engolir os caminhos e escolhas que a direção tomou para contar essa história. O filme abre com a comoção que a iminente vitória de Davi causou nas ruas de Salvador no dia da final —e aí a direção trata de nos convencer de que o clima era da mesma proporção que uma final do Brasil na Copa do Mundo.

Depois, o filme busca de forma enviesada as razões que fizeram o público se encantar com o comportamento de Davi no jogo.

Se até nas edições diárias do BBB se notava um inevitável direcionamento da edição para favorecer um ou outro participante, aqui a coisa é escancarada. Sobram imagens de Davi chorando e sofrendo contra a injusta hostilidade da maioria da casa, pensando em jogar a toalha e apertar o botão para sair, derrotando um adversário após o outro nos paredões.

A obra deixa de lado, porém, os aspectos mais polêmicos de sua figura, como seu comportamento manipulador na hora de combinar votos com os amigos mais próximos, o possível exagero no pedido de expulsão de Wanessa Camargo ou seu machismo latente —os xingamentos de "viado" numa discussão na casa são logo desculpados como "algo errado que eu aprendi e não repeti mais".

A frieza com que foi recebido pelos demais participantes ao sair da casa no último dia deve ter feito os produtores optarem por incluir depoimentos de apenas dois de seus amigos mais próximos, os finalistas Matteus e Isabelle. Resumindo, Davi estava longe de ser uma unanimidade do público —em todo caso, muito menos que Juliette— e isso não transparece.

Outra opção duvidosa é o tempo imenso que o filme dedica a enaltecer a Bahia com todos os estereótipos possíveis —terra de gente feliz, agitada, divertida, cheia de gírias e expressões próprias, e, ao mesmo tempo, forte, altiva, batalhadora.

Baianos como o ator Luís Miranda e a influenciadora Maíra Azevedo, a tia Má, dão importantes depoimentos sobre como a vitória de Davi é um soco na cara do racismo estrutural e do preconceito de classe.

Mas junto a eles evocam a tropa da música popular baiana —Ivete Sangalo, Leo Santana, Xanddy Harmonia, Márcio Vito, Carla Perez— para enaltecer Davi como um legítimo baiano. Até uma desnecessária Carolina Dieckmann aparece para contar por que torceu pelo campeão.

Pior ainda são os trechos em que um ator reencena momentos da história de vida de Davi, vendendo picolé num ônibus ou no primeiro "date" com Mani Reggo, sua ex-namorada. Os últimos minutos do documentário são dedicados a explorar o término da relação, que se deu ainda na onda avassaladora do BBB.

Depois de hesitar na casa entre definir a relação como namoro ou casamento, Davi declarou no Mais Você que eles "ainda estariam se conhecendo", o que desagradou Reggo e fez os dois promoverem uma DR pública por meio de posts nas redes —mais uma vez alimentando a máquina do programa e fazendo disparar o número de seguidores dela.

O filme frustra o fã ao promover o reencontro dos dois para uma conversa pacífica, mas sem abrir o áudio da conversa, respeitando uma decisão dos dois.

Se o resultado do filme é ruim, sobra a figura de Davi, um rapaz muito pobre e trabalhador, que trabalhou em diversos bicos para ajudar a família desde muito novo e hoje, graças a um reality show, volta a sonhar em estudar e se formar médico.

Talvez o maior acerto de "Davi: Um Cara Comum da Bahia" seja a maneira como filma esse cara comum dando seu depoimento ao documentário, sentado de forma frontal, encarando o espectador feliz, confiante e cheio de esperança no futuro, como se estivesse sentado numa poltrona da sala de casa do espectador.

Num país em que até pouco tempo atrás o negro só aparecia na TV jogando futebol, cantando ou servindo os protagonistas brancos das novelas, essa é uma imagem que guarda em si um notável avanço.

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