'Amor' desperta visões psicanalíticas opostas sobre morte da protagonista

Exibição e debate sobre o longa são parte do Ciclo de Cinema e Psicanálise, apoiado pela Folha

Thaiza Pauluze
São Paulo

A morte de Anne (Emmanuelle Riva), no filme “Amor”, foi assassinato, eutanásia ou o ato derradeiro de amor do marido, George (Jean-Louis Trintignant), para acabar com o sofrimento da idosa após um derrame, com rápida decadência física e mental?

Essa foi a questão que protagonizou o debate, nesta quarta-feira (21), na Cinemateca Brasileira, após a exibição do longa dirigido pelo austríaco Michael Haneke e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013.

Na opinião da psicanalista Carmen Mion, a história inspira discussão sobre a eutanásia, mas é marcada pelo amor dos idosos franceses. “Vemos os olhos da Anne  transmitir não só um profundo desamparo e sofrimento, mas o anseio pela morte ou, ao menos, recusa pela vida”, afirmou.

“É um caminho inexorável dos dois em direção à morte. No fim, exausto e emocionalmente destruído, George a asfixia num abraço desesperado, um gesto de amor frente a ausência de qualquer esperança.”

Na visão do jornalista e editor de livros do selo Três Estrelas Alcino Leite Neto, o filme é a história de um assassinato. “A não ser que a gente considere que matar a mulher seja uma declaração de amor, o filme não deveria se chamar morte ou homicídio ou feminicídio?”

Há ainda uma dimensão monstruosa no personagem George que precisa ser considerada, segundo Alcino Neto. “Haneke mostra isso quando a mulher diz que ele é um monstro, mas é gentil ou quando uma das cuidadoras o chama de velho cruel”, disse. “E ele, no fim, se revela mesmo um homem cruel.”

Já para a psicanalista, os sentimentos e emoções humanas são mais complexos. “O filme nos joga direta e irremediavelmente na questão central do desamparo do homem frente à vida e à morte. Nossos desejos, medos, amores e ódios, nas relações que estabelecemos com o outro e conosco mesmos.”

O jornalista, porém, disse não acreditar que o ato tenha sido apenas para poupar a mulher de mais sofrimento e humilhação. “Na cena, o marido pensa tomar para si as rédeas do destino de Anne. Seu crime é um ato de paixão, sim, mas também é intempestivo e radical”, afirmou. “George prefere ele próprio conduzir Anne até a morte em vez de esperar que a morte venha lhe roubar o vestígio de sua paixão por ela.”

Segundo a psicanalista Luciana Saddi, mediadora da conversa, foi por piedade. “Pode ser um assassinato e um ato de amor ao mesmo tempo. E todos nós talvez fizéssemos o mesmo naquela situação. É um ato de piedade para os dois”, disse. “Era humanamente impossível ele cuidar dela sozinho e ela sobreviver naquele estado de decrepitude.”

O debate foi o segundo do Ciclo de Cinema e Psicanálise, mostra realizada pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e pela Cinemateca Brasileira, com apoio da Folha.

Seu primeiro módulo, intitulado “Mal-Estar na Civilização e Família”, segue até o dia 25 de abril, com apresentações de filmes sempre às 19h de quarta-feira, na Cinemateca.

Todas as sessões serão seguidas de um debate sobre o filme e o contexto psicanalítico. A programação ainda terá apresentação de “O Jantar” (4/4) e “Uma Mulher Fantástica” (25/4). A entrada é gratuita, basta se inscrever em www.sbsp.org.br

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