Descrição de chapéu
Artes Cênicas

Peça 'Revoltar' se configura como apoteose do caos

Espetáculo narra memórias de combatente cubana e reflete fracasso civilizatório

Paulo Bio Toledo
São Paulo

Revoltar - Memórias de Ilhas e Revoluções

  • Quando ter. e qua., às 21h, até 2/5
  • Onde Espaço Cênico Ademar Guerra - CCSP, r. Vergueiro, 1.000, tel. 3397-4002; 14 anos
  • Preço R$ 15 a R$ 30

A nova peça da Cia. Livre fala sobre a Revolução de 1959 em Cuba como um acontecimento decisivo de certa atmosfera revolucionária que envolveu o século 20.

Mas a dramaturgia de Dione Carlos propõe uma observação para esse passado a partir de um ponto de vista bastante específico.

Trata-se das lembranças de uma antiga combatente cubana, Fidelina González, que sofre do mal de Alzheimer. Ou seja, o espetáculo acontece pela perspectiva dos fragmentos desencontrados da sua memória.

A dramaturga Dione Carlos - João Kehl e Rafael Jacinto/Folhapress

Assim, o assunto da peça não é apenas a revolução mas também a tentativa falhada de Fidelina de articular suas lembranças.

A doença degenerativa se transforma no ângulo formal da narrativa assim como num tipo de metáfora de nosso tempo presente, também perdido entre fragmentos, elipses e supressão histórica.

A encenação do espetáculo, assinada por Vinicius Torres Machado, ressalta essa característica estrutural da peça. Valendo-se de uma cenografia sobre rodas, ele usa o espaço de representação como um tipo de tela sobre o qual cria um quadro fluído de imagens sobrepostas.

O palco então espelha o fluxo vertiginoso das memórias desencontradas de Fidelina, que misturam história e subjetividade.

O cenário guarda as marcas dessa conjugação, como no armário de pertences pessoais que se transforma no ditador Fulgencio Batista, ou o pequeno móvel doméstico que é também o anteparo para a projeção de cenas difusas da revolução.

O resultado é um espetáculo de belas imagens, que navegam entre o sonho, o presente fraturado e o passado evanescente. É um vórtice de fragmentos com grande rendimento estético.

Contudo, apesar da força com que a montagem consegue reverberar as questões da peça, ela também reitera um tipo de paradoxo comum no teatro contemporâneo.

A perspectiva da loucura e do isolamento, ao mesmo tempo em que revela impasses do nosso tempo, também reafirma a confusão reinante. A tentativa de refletir sobre um ponto de vista fraturado acaba aqui por celebrar essa mesma lógica fragmentada e formada por estilhaços desconectados do passado.

Apesar de sonhar com uma nova chance de "insurreição", é como se o espetáculo fosse um tipo de apoteose do caos. De alguma maneira, a estética fragmentada, híbrida e descontínua exalta aquilo que é mostrado como metáfora de nosso fracasso civilizatório.

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