Erasmo Carlos troca rock por canções em novo disco e prepara livro de poesia

Aos 76, músico canta parcerias com amigos em 'Amor É Isso' e volta ao cinema em 'Paraíso Perdido'

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Rio de Janeiro

Era quinta-feira à tarde e Erasmo Carlos andava ansioso: como seria a receptividade das pessoas?

Dali a algumas horas seria lançado seu 30º disco de estúdio —ou 31º, perdeu as contas.

“Nessas épocas eu me sinto como um cachorro: quero apenas agradar e abanar meu rabo”, disse o cantor à Folha no jardim da casa na Barra, no Rio, na qual vive há 39 anos.

O álbum se chama “Amor É Isso”. E “isso”, diz, não é a relação entre duas pessoas, mas algo maior: “aquele algo infinitamente elástico, que explica tudo”.

A temática inspira três composições próprias e parcerias com amigos, como Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes, Nando Reis, Samuel Rosa.

Marcelo Camelo entregou a bela “Sol da Barra”, e Emicida fez com ele “Termos e Condições”, na qual também canta.

Há ainda uma canção de Teago Oliveira, da expoente banda baiana Maglore, apresentado por Marcus Preto, diretor musical do trabalho.

Chama-se “Não Existe Saudade no Cosmos”, e tem atmosfera que lembra a de “Sonhos e Memórias” (1972), disco preferido de diversos fãs e também do próprio cantor.

Para completar, pintou uma quase parceria com Tim Maia, em “Novo Love (New Love)”.

A música, conta Erasmo, foi escrita por Tim em 1961 para uma paquera, a Marlene, na juventude dos dois na Tijuca.

Em português, a releitura toma sonoridade de grupos vocais dos anos 1940 e 1950, as escolas do cantor e dos quais se diverte em lembrar: Conjunto Farroupilha, Trigêmios Vocalistas, Quatro Ases e um Coringa, Bando da Lua.

“Retomar essa canção tem um gosto de infância. Foi um presente que eu me dei. Tomara que o Tim goste, é um cara de quem tenho saudades.”

Alegria e nostalgia parecem se mesclar no cotidiano do cantor e transbordam no disco novo, produzido por Pupillo.

“Meu principal desafio foi controlar o fã que há em mim”, diz o produtor, também baterista do álbum (e do grupo Nação Zumbi). “Às vezes ele pedia uma referência, e era difícil evitar um som dele dos anos 1970”, diverte-se.

Sua paleta de timbres traz à mente o Erasmo da época da tortuosa migração da Jovem Guarda a outros destinos.

Foi quando o artista aprofundou seus traços roqueiros, sob inspiração de estrangeiros como Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival e Neil Young.

Ao fazê-lo, fundou as bases do gênero no país, segundo Rita Lee, que o chama de “pai do rock brasileiro”.

Não perdeu o romantismo, mas passou a traduzi-lo de forma diferente daquela do parceiro Roberto Carlos, que se encontrou como um crooner romântico.

Sobrevieram os anos 1980 e 1990, de trabalhos irregulares, até que o século 21 sinalizou o retorno à boa forma.

Agora, após três álbuns dedicados ao rock, Erasmo volta as atenções às canções e abraça uma certa tranquilidade.

O velho roqueiro só quer saber de melodias. Até porque, diz, “ritmo e dança prevaleceram na música que se faz hoje”.

Interessa-lhe a máxima simplicidade: “Estou dando um descanso para os ouvidos do meu coração.”

Este, aliás, andou pedindo atenção: Erasmo passou a usar marca-passo, há dois meses, para corrigir recorrentes desmaios.

Essas e outras marcas do tempo transparecem nas músicas. Nos temas, elas refletem o homem que faz 77 anos em junho e que, em sua trajetória, perdeu um filho (2014) e a ex-mulher (1995).

Na forma, as canções tiram o veterano roqueiro da zona de conforto. Ele responde cantando diferente em timbres e na interpretação das palavras, inspiradas em poemas que escreveu.

Há oito anos, Erasmo começou a namorar a professora Fernanda Passos, então vivendo em São Paulo.

Para amenizar a distância, passaram a trocar e-mails —ou “jornaizinhos”, como os chama. Casaram há dois anos.

“Era uma comunicação dividida em seções: notícias, reflexões, piadas. E os poemas.”

Quando já eram 111 os textos, os dividiu com amigos “da literatura”, como se refere a Calcanhotto e Antunes. Após a devida bênção deles, o veterano agora pretende reuni-los em livro.

Também andou compondo para Wanderléa e Gal Costa, passou a tomar notas para um romance e será interpretado por Chay Suede na cinebiografia “Minha Fama de Mau”, que estreia em outubro.

E, a partir de quinta (31), estará nos cinemas em “Paraíso Perdido”, sobre uma família que busca a alegria numa boate na paulistana rua Augusta.

Ao lado de atores como Seu Jorge e Júlio Andrade, Erasmo faz o patriarca José, um ex-cantor que luta para defender a família.

Passados 34 anos do último filme de que participou como ator, “O Cavalinho Azul” (1984), o cantor recebeu da diretora Monique Gardenberg (de “Ó Paí, Ó”) o convite e uma única instrução: rever “O Leopardo” (1963), de Luchino Visconti, com Burt Lancaster.

“Atuar, pra mim, é uma brincadeira séria; não procuro ser outro, sou sempre eu”, diz o vencedor do prêmio Coruja de Ouro, em 1972, pela atuação no filme “Os Machões”.

Disco, filme, livro e o que mais pintar estarão sujeitos a críticas, e Erasmo quer saber delas. Embora tente não se abalar com o tribunal da internet, o cantor lê tudo o que pode.

“Antes eu ficava puto; diziam que eu tinha saído direto do ‘Walking Dead’, que se eu levantasse os braços, Deus me levava. Mas hoje eu dou risada.”

Nesse processo, há de se deparar também com muito carinho, em particular das fãs —algumas prometem ir aos shows já vestidas de noiva.

“É bom pro ego, mas prefiro quando falam do trabalho. Afinal, é para isso que eu existo.”

 

TREMENDÃO A TODO VAPOR

MÚSICA
“Amor É Isso”, primeiro disco de inéditas desde 2014, traz parcerias com amigos como Adriana Calcanhotto. A primeira leva de CDs virá com um lápis, para que os fãs possam escrever na capa, toda branca, suas definições sobre o que é o amor. Os shows de lançamento devem acontecer nos próximos meses em SP e no RJ

FILMES
Ao lado de atores como Marjorie Estiano, interpreta um pai de uma família inusitada em “Paraíso Perdido” (estreia em 31/5); também será retratado em “Minha Fama de Mau”, de Lui Farias (estreia em outubro)

LITERATURA
Vai lançar em breve um livro com poemas que escreveu, e começou a tomar notas para publicar um romance em 2019

 

ERASMO É ISSO

CAETANO VELOSO
“É uma pessoa que você pode definir com uma palavra: íntegro”

EMICIDA
“Não há melhor definição do que ‘um gigante gentil’. Se encaixa perfeitamente”

O AMOR, SEGUNDO ERASMO (na canção "Amor É Isso")
“Ardência na alma, uma dor, uma sorte/ Mais que uma oferta egoísta e possessiva/ Uma canção de ninar em carne viva/ Um universo inteiro de prazer no céu”

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