Em "Refúgio", as personagens vivem um misto de melancolia e desassossego, como se não coubessem na vida cotidiana de classe média. Já nas primeiras cenas aparece o isolamento de indivíduos cercados pelo desemprego, medo, desamparo e pela dificuldade comunicação interpessoal.
A cenografia de Maria Bentivegna amplifica a sensação comprimindo o espaço doméstico ao longo do espetáculo. As paredes modulares se movimentam fazendo surgir cômodos cada vez menores, com ângulos estranhos, até se fecharem totalmente sobre si mesmos.
O bom trabalho dos atores ecoa esse ambiente asfixiante: eles atuam ressaltando as elipses, as incompletudes da fala, a tensão entre situação concreta e diálogo estilhaçado. Tudo se conecta por uma encenação inteligente, organizada por Alexandre Dal Farra.
Na peça, vemos o cotidiano das personagens ser alterado pelo desaparecimento de alguns deles. Um casal observa os sumiços com assombro e tenta mais ou menos resistir. O choque entre a vida trivial e essa estranha abdução cria cenas de vivo interesse.
Mas nada se explica ao longo da peça. As personagens somem e reaparecem sem conseguir formular algo concreto sobre o que está acontecendo. Em contrapartida, as tentativas inconformadas do casal interpretado por Marat Descartes e Fabiana Gugli em compreender o que houve aparecem como débeis esforços em busca de algo fora de nosso alcance.
Diante de uma vida de pouco sentido, a insistência na racionalidade crítica aparece em "Refúgio" como um esforço ingênuo e ineficaz. Como se o problema não fosse mais a desordem social e sim a nossa persistência em tentar compreendê-la.
Na medida em que a peça caminha nesta direção, também a composição estética parece, pouco a pouco, corroborar tal atmosfera irracionalista. Assim, perde parte de seu vigor inicial. Nos momentos finais do espetáculo, as falas e imagens vão ficando cada vez mais abstratas, difusas. Apesar da angústia social, a ênfase da peça é deslocada para a apresentação de um mundo indecifrável.
O espetáculo descarta a razão crítica e sobrepõe a ela uma estética enigmática que sacraliza e celebra nossa própria tragédia.
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