Falta de tecnologia motivava composições mais memoráveis, diz Paul McCartney

Ex-Beatle prepara disco e se consagra como contador de histórias em evento com estudantes em Liverpool

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Paul McCartney gravando em Los Angeles, em 2017

Paul McCartney em estúdio de gravação em Los Angeles, em 2017 Divulgação

Liverpool

Depois de quase seis décadas consagrado acima de tudo por seu perfil musical, o ex-Beatle Paul McCartney também pode ser reconhecido cada vez mais como um grande contador de histórias.

É isso que se revela em seu álbum mais novo, “Egypt Station”, um “disco disco”, na definição do cantor, que vai ser lançado em setembro.

E também foi esta característica que ele mostrou durante uma sessão de perguntas e respostas de que a Folha participou em Liverpool, nesta quarta (25).

 

Em um anfiteatro com capacidade para cerca de 400 pessoas no Liverpool Institute for Performing Arts (Lipa), escola que ajudou a fundar, em 1996, McCartney tocou, conversou com o também músico Jarvis Cocker, do Pulp, e respondeu a perguntas da plateia, formada em sua maioria por estudantes e fãs.

 
Acima de tudo, ele contou dezenas de histórias sobre sua carreira desde que estudou na escola que ficava no mesmo local onde atualmente fica o Lipa, desde os 11 anos de idade, e onde conheceu George Harrison.

Durante uma hora e dez minutos de entrevista, não foram raras as ocasiões em que o evento poderia parecer um show de comédia stand-up, de tantas risadas que McCartney arrancou do público.

Ele conta piadas, faz brincadeiras e trocadilhos, mas, acima de tudo, mergulha na longa e fascinante história do grupo que talvez seja o mais famoso da história da música pop internacional.

“Com o tempo, contamos tantas histórias tantas vezes que às vezes me pergunto, ‘será que isso é verdade?’”, disse, antes de emendar com mais um causo: durante a gravação de “Hey Jude”, Ringo Starr foi ao banheiro e deixou a canção sem bateria, mas voltou no meio da música e retomou como se nada tivesse acontecido.

Foi um evento para lembrar da sua história com os Beatles e apresentar seu trabalho mais recente

E terminou com uma apresentação acústica de McCartney e sua banda tocando doze canções, desde clássicos mais antigos, como “Love Me Do”, “From Me to You” e “We Can Work it Out”, passando por músicas raras ou tocadas tradicionalmente em passagens de som, como “I Lost My Little Girl”, que ele diz ter sido a primeira que compôs na vida.

E também por sua carreira com o Wings, com “Mrs Vanderbilt” e seu trabalho solo, como “On My Way to Work” e a inédita “Confidante”, do disco novo, composta em homenagem a seu violão.  

Disco com cara de disco

O foco de McCartney agora é “Egypt Station”, cujo projeto ele diz ter vindo da ideia de fazer um disco que tivesse um perfil de disco, isto é, que fosse para se ouvir inteiro do começo ao fim, como uma das suas dezenas de histórias.

“Hoje em dia, estrelas como Taylor Swift e Beyoncé fazem álbuns que são uma coleção de singles. Não consigo competir com isso. Então quis fazer um álbum que fosse para ouvir do começo ao fim, inteiro, como um disco de Pink Floyd, ou dos Beatles”, disse.

“Egypt Station” tenta passar a ideia de uma obra com canções interligadas. O álbum tem 14 músicas e foi estruturado de forma a criar a sensação de conduzir uma viagem, e cada canção tenta transportar o ouvinte a um destino diferente.

Segundo ele, o projeto partiu da ideia de um álbum conceitual. “Começamos em uma estação, seguimos viagem, e chegamos em outra estação”, disse.

Até a capa de “Egypt Station” passa a ter relevância na história contada. Ela é uma adaptação de um quadro pintado por McCartney, e foi dela que surgiu o nome do álbum.

“Fiz um quadro com temas egípcios e coloquei este nome para lembrar. Era uma composição um tanto surreal. Depois pensei que seria um bom nome para o novo disco, e decidimos usar a imagem na capa.”

quadro de sir paul mccartney
'Egypt Station', o quadro de paul McCartney que inspirou disco a ser lançado em setembro - Divulgação

“Egypt Station” é o 17º disco de estúdio de Paul sob seu nome, após os trabalhos com os Beatles e os Wings, e o primeiro álbum de estúdio do compositor desde “New”, de 2013. Ele foi quase todo produzido por Greg Kurstin, que já trabalhou com Adele, Beck e Foo Fighters, e uma das músicas teve produção de Ryan Tedder, da banda americana de pop rock OneRepublic.

Processo criativo

Durante a conversa, McCartney falou da sua relação com a tecnologia no processo de gravação de canções. Segundo ele, os avanços tecnológicos mais atrapalham que ajudam na vida de um compositor.

“Hoje em dia você pode gravar qualquer coisa, então acabo com milhares de pequenos trechos de canções inacabadas, o que atrapalha. É muito fácil anotar ideias e não ir além disso. O processo antigamente era diferente. Eu e John [Lennon] levávamos a ideia do começo ao fim, e era melhor do que ter só fragmentos de músicas”, contou.

Esse processo, disse, ajudou a fazer com que os Beatles se tornassem uma banda tão bem-sucedida.

“Como não tínhamos como gravar muito, precisávamos compor músicas das quais nos lembrássemos. Isso fez com que escrevêssemos músicas memoráveis, das quais nos lembramos até hoje.”

Segundo ele, nos anos 1960, quando os Beatles começaram, a banda tinha apenas uma hora e meia no estúdio para gravar cada música. “Em um dia gravávamos quatro músicas”, disse. “O som ficava mais fresco, guardava o espírito da música.”

Apesar da crítica ao excesso de tecnologia, McCartney tem demonstrado grande habilidade para divulgar seu trabalho mais novo com ajuda da internet.

O primeiro passo foi a liberação em junho de apenas duas das canções novas (“Come On to Me” e “I Don't Know”) na internet, de forma gratuita.

Em seguida, veio a participação no Carpool Karaoke, do The Late Late Show, de James Corden, incluindo um show-surpresa no pub Philarmonic Dinning Rooms que se tornou viral com mais de 28 milhões de visualizações.

Como se não fosse suficiente, ele voltou a ser destaque na web neste mês ao atravessar a Abbey Road, rua que ficou célebre ao estampar a capa do disco homônimo dos Beatles, em que os quatro músicos aparecem cruzando de um lado ao outro.

E, na entrevista, afirmou ainda que nesta quinta-feira (26) fará outro show-surpresa em Liverpool, em um local que não revelou.

O passo mais recente desse processo foi o evento com estudantes na Lipa, que foi transmitido ao vivo em redes sociais. Ao menos para ajudar a contar suas histórias, a tecnologia tem ajudado bastante.


Repertório

'I've Just Seen a Face'
'Every Night'
'San Francisco Bay Blues
'Blackpool'
'Mrs Vanderbilt'
'On My Way to Work'
'Confidante' (inédita do álbum 'Egypt Station')
'From Me to You'
'Midnight Special' 
'I Lost My Little Girl' (a primeira música que compôs, aos 14 anos, conta)
'Love Me Do'
'We Can Work it Out'

Paul McCartney em estúdio em Los Angeles na gravação de seu disco 'Egypt Station', em 2017
Paul McCartney em estúdio em Los Angeles na gravação de seu disco 'Egypt Station', em 2017 - Divulgação
Erramos: o texto foi alterado

A música "We Can Work it Out" (1965) é dos Beatles, e não de Stevie Wonder, que gravou uma versão famosa da canção em 1970.

 

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