Mostra em Nova York revela cineastas pioneiras, mas esquecidas

'Pioneers: First Women Filmmakers' resgata produções que ficaram excluídas da história

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Manohla Dargis
Nova York | The New York Times

Nas páginas de “Career for Women”, um livro publicado em 1920 sobre os trabalhos que as mulheres faziam —apicultora, detetive, médica-legista—, há um capítulo sobre diretoras de cinema. 

O relato foi escrito por Ida May Park, que escreveu os roteiros de algumas dezenas de filmes e dirigiu uma dúzia deles, entre 1917 e 1920, a maioria para o estúdio Universal. 

Ela acreditava que as mulheres tinham talento natural como diretoras. No entanto, parece que ela não voltou a dirigir, depois de 1920, e em lugar disso se tornou mais uma das mulheres desaparecidas e esquecidas do cinema.

É possível ter uma ideia do escopo e da profundidade dessa exclusão assistindo à série “Pioneers: First Women Filmmakers” [pioneiras: as primeiras mulheres cineastas], um trabalho maravilhoso que estreou na sexta (20) na BAMcinématek, em Nova York. 

Esse panorama de uma semana oferece um vislumbre sobre a grande diversidade de filmes feitos por mulheres, muitos dos quais antes de elas poderem votar. Trata-se de figuras que ajudaram a criar o cinema, mas cujas contribuições continuam a ser subestimadas ou ignoradas.

O programa inclui histórias e personagens muitas vezes associados às mulheres, mas também muita coisa que não se conforma aos estereótipos. 

Há melodramas lacrimosos como “The Ocean Waif” (1916), de Alice Guy Blaché, mas também comédias pastelão como “Caught in a Cabaret” (1914), de Mabel Normand, estrelada por Charlie Chaplin, e filmes como “Suspense” (1913), thriller dirigido por Lois Weber e Philipps Smalley. 

Uma atração obrigatória é “Curse of Quon Gwon: When the Far East Mingles with the West” (1916), de Marion Wong, classificado como o primeiro longa de um cineasta de origem chinesa nos EUA.

Alguns nomes serão mais conhecidos que outros. Após décadas de negligência, cineastas como Guy Blaché —tida como a primeira mulher cineasta— estão sendo reinscritas na história por arquivistas, estudiosos, distribuidores e sites como o fantástico Women Film Pioneers Project. Os títulos foram selecionados de uma caixa contendo seis discos que a distribuidora Kino Lorber lançará em novembro.

A mostra inclui cinco filmes que demonstram seu alcance. O delicioso e ainda surpreendente “The Little Rangers” (1912) é um western centrado num vilão e duas enérgicas heroínas, uma das quais parece ter 12 anos, mas carrega uma arma imensa e ostenta longos cabelos cacheados.

A maioria traz narrativas propelidas pelas mulheres, mas alguns giram em torno de homens, como “49-’17”, de Ruth Ann Baldwin, sobre um juiz nostálgico pela era da corrida do ouro na Califórnia. 

E as histórias nem sempre se enquadram às ideias e ideais feministas modernos. Essas pioneiras eram mulheres de sua era, algo evidente tanto nos traços de racismo quanto nas atitudes das personagens.

Elas fizeram os filmes a despeito do domínio masculino, e por algum tempo floresceram. A pesquisadora Shelley Stamp, curadora da caixa da Kino Lorber, acredita que temos de considerar duas questões sobre o que aconteceu: “Por que desapareceram?” e “por que nós as esquecemos?”.

Stamp disse que o desaparecimento aconteceu muito rápido. No começo dos anos 1920, um grupo de estúdios  adquiriu cadeias de salas de cinema. Isso resultou na exclusão dos produtores independentes, entre os quais mulheres e pessoas não brancas.

Pela metade dos anos 1920, escreve Karen Ward Mahar em “Women Filmmakers in Early Hollywood”, haviam emergido “estúdios com dominação de gênero”. Direção, produção e edição foram masculinizados, e trabalhos técnicos foram “tipificados por sexo”. 

Nos novos estúdios, o produtor dominava. Como se, para compensar a redução no papel do diretor, as dificuldades físicas do trabalho fossem cada vez mais requisitadas. 

O cineasta Cecil B. DeMille disse que “as mulheres desabariam com a tensão” dos dias de trabalho de 18 horas de um diretor de cinema.

A cultura corporativa masculina forçou a saída das mulheres que desejavam trabalhar, e facilitou o que Stamp descreve como “amnésia histórica”, evidente já nas primeiras histórias do cinema. 

Weber é mencionada apenas de passagem em “A Million and One Nights: A History of the Motion Picture” (1926), livro de Terry Ramsaye, e Guy Blaché nem sequer é citada. 

No ano em que o livro foi publicado, um jornal de Boston afirmou que Weber “foi a primeira pessoa de seu sexo a romper o monopólio masculino na direção de filmes”. Dois anos depois, o mesmo jornal decretou que Dorothy Arzner era a única mulher cineasta.

Há outras explicações para que as mulheres tenham desaparecido. É fácil imaginar que, à medida que elas ganhavam mais poder, os esforços para impedir a presença feminina em território masculino tenham sido intensificados. 

É comum que as mulheres sejam tratadas como invisíveis, quer ao se verem excluídas das histórias, quer porque executivos insistem em que não encontram mulheres qualificadas para contratar. 

A mostra “Pioneers: First Women Filmmakers” tem papel crucial como corretivo para nossa amnésia coletiva.

Tradução de Paulo Migliacci

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