Descrição de chapéu The Washington Post

'O Cavaleiro das Trevas' completa 10 anos como cult, mas sua recepção não foi bem assim

Filme de Christopher Nolan recebeu críticas negativas na época de seu lançamento nos EUA

O ator Heath Ledger, como Coringa, em cena do filme "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (2008), de Chrisfopher Nolan
O ator Heath Ledger, como Coringa, em cena do filme "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (2008), de Chrisfopher Nolan - Divulgação
Washington | The Washington Post

Roger Ebert entendeu de primeira. “Batman deixou de ser uma história em quadrinhos”, escreveu o lendário crítico de cinema quando do lançamento de “Batman, o Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, em 18 de julho de 2008 [simultaneamente no Brasil e nos EUA]. 

Em lugar disso, ele viu “um filme soturno que vai além de suas origens e se torna uma envolvente tragédia... Esse filme, e ‘Homem de Ferro’, em menor grau, redefiniram as possibilidades dos filmes baseados em quadrinhos”.

Quando “Batman, O Cavaleiro das Trevas” chegou aos cinemas, dez anos atrás, o “filme de quadrinhos” já havia atingido alguns picos criativos, entre os quais os dois primeiros filmes da série “Super-Homem”, nos anos 70; o “Batman” de Tim Burton, em 1989; o primeiro “X-Men”, de Bryan Singer; e “Homem-Aranha”, com direção de Sam Raimi. 

Mas em 2008, ainda que “Homem de Ferro”, de Jon Favreau, tivesse dado início ao universo cinematográfico Marvel naquele mesmo verão, o cinema de super-heróis não tinha grande respeitabilidade artística. Em termos de arte, era visto como mero cinema pipoca, incapaz até mesmo de se elevar ao patamar de “Star Wars”, na opinião de muitos críticos e espectadores. 

Nolan, seu irmão e roteirista Jonathan Nolan e o diretor de fotografia Wally Pfister mudaram muito as perspectivas usuais sobre os filmes baseados em super-heróis. 

Sua continuação sombria para a saga de Batman —o primeiro longa a usar extensamente a influente tecnologia de câmera Imax— foi um sucesso crítico, conquistou oito indicações ao Oscar e levou duas estatuetas, entre as quais uma póstuma, para o desempenho assustador e emblemático de Heath Ledger como o Coringa.

Mas será que uma produção tão depressiva seria capaz de levar multidões ao cinema em pleno verão? 

Como escreveu o jornal Wall Street Journal na época, “o filme todo é um experimento social em escala mundial, uma tentativa dispendiosa de ver se a audiência vai aparecer para assistir a um épico baseado em quadrinhos que vai bem além da escuridão e mergulha num abismo infernal, com paradoxos sombrios, traições infindas e corrupção generalizada.”

O filme, é claro, também foi sucesso comercial, tornou-se o primeiro filme de super-herói (e o quarto da história) a superar a marca de US$ 1 bilhão nas bilheterias mundiais. Levada em conta a inflação, “O Cavaleiro das Trevas” é um dos filmes de super-herói de maior sucesso na história, e se equipara a recentes sucessos monumentais como “Pantera Negra” e “Vingadores: Guerra Infinita”. 

O filme conquistou tanto respeito que o fato de que não tenha sido indicado ao Oscar de melhor filme naquele ano [vencido por “Quem Quer Ser um Milionário?”] costuma ser mencionado como motivo para que a Academia mudasse suas regras e permitisse que até dez trabalhos passassem a ser indicados para o prêmio de melhor filme, a cada ano. 

Em retrospecto, ter sido esnobado na categoria de melhor filme só serviu para reforçar a reputação de “Batman, O Cavaleiro das Trevas” como obra-prima. 

Para muitos fãs, é um trabalho superior a filmes posteriores e aclamados de Nolan, como “A Origem” e “Dunkirk” (este último trouxe a Nolan sua primeira indicação ao Oscar de direção).

Mas passada uma década, vale a pena refletir sobre os preconceitos que o filme enfrentou de parte da crítica na época de seu lançamento, e como alguns dos mais renomados críticos de cinema americanos do período não foram capazes de apreciar o que Nolan realizou.

Alguns jornalistas, embora elogiassem o desempenho hipnótico de Ledger, viram pouco mais a destacar nesse Batman soturno.

Ebert foi um dos críticos que articularam os motivos para que o segundo filme de Nolan em sua trilogia Batman se destacasse de seus predecessores, escrevendo que “é costumeiro que um filme baseado em quadrinhos mantenha certa distância da ação, e que encare tudo através de uma tela sofisticada. Mas ‘O Cavaleiro das Trevas’ abandona essas defesas e nos engaja... Porque esses e outros atores são tão potentes, e porque o filme não permite que seus espetaculares efeitos especiais se sobreponham às pessoas, o efeito profundo do drama sobre nós causa surpresa”.

Stephen Hunter, meu antigo colega no caderno de estilo e principal crítico do Washington Post uma década atrás, estava entre aqueles que acreditavam que, ainda que tivesse alguns pontos altos, o filme deixava a desejar.

“É porque o desempenho de Ledger é tão intenso e tão duradouro; é porque por trás da máscara insana, seu trabalho como ator é sutil e nuançado, forte a ponto de apagar todas as lembranças do australiano bonitão que existe por trás do personagem”, escreveu Hunter. Mas essa realização teve seu preço, aos olhos do crítico. 

“O desempenho dele é também a coisa mais interessante do filme e quando o Coringa não está na tela, a história perde a maior parte de sua energia e dinamismo”, escreveu.

Michael Sragow, do jornal Baltimore Sun, por sua vez, detonou a história “arrastada e previsível”. “‘Batman, O Cavaleiro das Trevas’ é um trabalho bonito e bem realizado, mas me levou da absorção ao cansaço em 20 minutos.”

“É um choque —e um choque muito efetivo— ver um vilão de quadrinhos agindo como um cão de aluguel em um filme de Quentin Tarantino”, descreveu David Edelstein na revista New York. “Mas o efeito da novidade passa logo, e a falta de imaginação do filme, visualmente e em todos os demais sentidos, se torna cansativa. ‘Batman, o Cavaleiro das Trevas’ é barulhento, confuso e sádico”, completou.

Marc Savlov, do Austin Chronicle, adotou tom semelhante. “Há algo de intangível que falta em ‘O Cavaleiro das Trevas’. Apesar de todo o seu ruído e estrondo, das tomadas fantasmagoricamente belas de Batman, com a capa estendida, o filme de Nolan parece gélido, desconfortável.”

Para David Ansen, da revista Newsweek, a escuridão impediu que ele curtisse o filme.

“Não há uma gota de leveza no super-herói tenso e angustiado de Bale, e quando começa a segunda metade desse filme de duas horas e meia, a intensidade invariável e as sequências de ação ocasionalmente confusas causam cansaço”, ele escreveu. “É possível sair da sala mais exausto que entusiasmado. Nolan quer provar que um filme de super-herói não precisa ser descartável e sua ambição é admirável. Mas estamos falando de Batman, não de Hamlet. Pode ser besteira da minha parte, mas eu gostaria que o filme tivesse momentos mais leves”.

David Denby, da revista New Yorker, apreciou o trabalho de Ledger e alguns dos efeitos especiais, mas não viu coisa alguma de bom em Bale. 

“É um conflito dramático que poderia funcionar, mas apenas metade da dupla é capaz de atuar. Christian Bale é um Bruce Wayne plácido, um cavalheiro elegante em terno Armani, com os cabelos perfeitamente penteados. Como Batman, ele é mais urgente, mas pronuncia todas as suas falas em voz rouca, com uma inflexão que jamais varia. É um desempenho dedicado mas desinteressante, e ele sempre termina sobrepujado pelo excelente Ledger... [cujo] trabalho é um ato final heroico e perturbador: um jovem ator contemplando o abismo.”

E Denby encerrou seu texto com uma pá de cal para o filme: “‘Batman, O Cavaleiro das Trevas’ foi produzido em uma era de terror, mas não está combatendo o terror; na verdade, o abraça e pratica, enquanto garante, de modo muito calculista, que haja uma base para a próxima etapa dessa série corporativa”.

Tradução de Paulo Migliacci

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