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Inédito, conto de Hemingway com tintas autobiográficas é publicado nos EUA

'A Room on the Garden Side' é narrado em primeira pessoa por um escritor chamado Robert Just

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Matthew Haag
Nova York | The New York Times

Em 1956, Ernest Hemingway estava em queda livre. Antes cativante e transformador, seu estilo staccato, de frases curtas, que redefinira a literatura americana, parecia ter perdido o brilho. Muitos autores o imitavam.

Empacado e sem inspiração, o escritor havia se tornado uma caricatura de seus personagens ultramásculos. Ele havia escapado aos atiradores de elite alemães na reconquista da França e caçado animais selvagens na África, tentando fugir da fama.

No verão daquele ano, encontrou inspiração para um novo trabalho de ficção em suas aventuras como correspondente na Segunda Guerra. Hemingway disse a seu editor que havia escrito cinco contos sobre a guerra, mas estipulou: "Você sempre pode publicar depois que eu morrer".

 Ernest Hemingway at Ritz Paris
Ernest Hemingway no Ritz de Paris, em 1956  - Luc Fournol/Reprodução

Ainda que mais de seis décadas tenham se passado, e bem depois do suicídio de Hemingway, em 1961, só um desses contos havia sido publicado —até a semana passada.

O novo título é um conto de umas 2.100 palavras, "A Room on the Garden Side", narrado em primeira pessoa por um escritor chamado Robert Just; a ação transcorre pouco depois de os Aliados libertaram Paris dos alemães, em 1944.

Há pouca dúvida de que Just tem por base o autor. A locação do título é um quarto com vista para o jardim do Ritz, o luxuoso hotel na Place Vendôme de Paris, que Hemingway adorava. Os soldados personagens do conto chamam Just de "Papa", apelido do escritor.

E há outros sinais reveladores de identidade: garrafas de champanhe, atendimento privilegiado por parte do hoteleiro e discussões sobre livros, escritores e sobre os paramentos da celebridade.

"O amor profundo de Hemingway por sua cidade favorita, no exato momento em que ela está emergindo da ocupação alemã, é muito perceptível, assim como os traços mais marcantes de seu estilo", disse Andrew Gulli, editor chefe da revista Strand, a publicação que lançou o conto.

Embora o texto jamais tivesse sido divulgado, não era inteiramente desconhecido. O manuscrito —15 páginas a lápis— estava guardado há décadas como parte do acervo permanente do autor na Biblioteca e Museu Presidencial John F. Kennedy, em Boston.

Os estudiosos da obra de Hemingway já haviam avaliado a obra recém-lançada e os quatro outros contos da série, entre eles "Black Ass at the Crossroad", o único a ter sido publicado até o momento.

Há um ano, Gulli diz ter pedido aos controladores dos direitos da obra de Hemingway autorização para publicar o conto na Strand, que em geral se dedica a contos de mistério mas já havia publicado inéditos de escritores bem conhecidos. Em novembro, a revista publicou um novo conto de Raymond Chandler, autor conhecido por suas sombrias histórias de detetives.

"Seria fácil criar uma pequena coleção de textos inéditos e vender muitas cópias, mas eles vêm obtendo muito sucesso para a marca Hemingway ao determinar de modo muito seletivo quando e como publicar essas pequenas joias", disse o editor sobre os administradores do espólio.

Kirk Curnutt, do conselho da Hemingway Society, escreveu um posfácio para a revista, em que diz que a história "contém todos os elementos marcantes que os leitores amam em Hemingway" e que captura "a importância de Paris".

"A guerra tem presença central, é claro, mas o mesmo pode ser dito sobre a ética da escrita e a preocupação de que a fama literária corrompa o compromisso de um autor com a verdade", ele escreveu.

(Se você prefere ler o conto primeiro, sem spoilers, melhor abandonar o artigo aqui.)

A narrativa se passa durante uma noitada em um quarto de hotel, perto do fim da guerra. Alguns soldados franceses estão desmontando e limpando suas armas. Falam sobre deixar Paris na manhã seguinte para continuar combatendo.

Just saboreia um champanhe Perrier-Jouët em um cálice elegante, lê livros e observa o sol entre as folhas do jardim. Cercado pela guerra, ele desfruta de luxo e conforto pessoal em um dos melhores quartos do hotel. Mas sua vontade é abandonar o Ritz.

Os elementos autobiográficos são claros. No final da guerra, Hemingway vivia um momento de seca em sua produção, depois do sucesso de "Por Quem os Sinos Dobram", de 1940. Seus romances anteriores mais famosos, "O Sol Também se Levanta" e "Adeus Às Armas", haviam sido escritos quase duas décadas antes.

Em 1950, ele escreveu "Do Outro Lado do Rio e Entre as Árvores", um romance muito satirizado. Depois, em 1952, ele publicou "O Velho e o Mar", sucesso mundial que destruiu os últimos resquícios de sua privacidade. Pouco depois de concluir "A Room on the Garden Side", Hemingway disse a um amigo que odiava as perturbações associadas à fama.

"Provavelmente o melhor seria que eu não publicasse mais coisa alguma", escreveu Hemingway ao seu amigo Harvey Breit, editor do suplemento The New York Times Book Review. "Melhor deixar material para que publiquem depois que eu morrer."

Tradução de Paulo Migliacci

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