A atualidade de temáticas presentes em grandes obras parece verificar sua universalidade. No entanto, há certas implicações nestas escolhas. Parece fundamental compreender o contexto e confrontar as questões abordadas com o contemporâneo. Não apenas na linguagem cênica, mas também na abordagem formal do conteúdo apresentado.
Com a intenção de popularizar a obra de Bernard Shaw, o Círculo de Atores leva à cena “A Milionária”. Escrito em 1936, o texto aponta, de modo pouco sutil, para a problemática da concentração de renda.
Epifânia (Chris Couto) é uma herdeira aparentemente mimada, que se revela ardilosa e sem escrúpulos. A obra constrói seu discurso a partir de situações familiares e amorosas que se desenvolvem entre a protagonista, pretendentes, o marido e a amante dele —além do advogado Sagamore (Sergio Mastropasqua).
De modo geral, a encenação de Thiago Ledier se atém à crítica de Shaw ao comportamento das classes mais favorecidas. Fortunas herdadas, fraudes, exploração de mão de obra: não há inocentes; e isso se revela sem pudores na fala das personagens.
Neste sentido, surge a necessidade de encarar questões do texto à luz do pensamento atual. Muitos diálogos parecem tratar de temas caros aos dias de hoje de maneira inconsequente. É o caso do humor que contamina parte do público em comentários sobre violência doméstica.
Ademais, “A Milionária” realiza escolhas anacrônicas. As interpretações estão consistentes, mas há pouca interioridade aos personagens, construídos superficialmente.
A tradução, de Eduardo Tolentino e Ledier, confere dinâmica aos diálogos. Com cenário simples e versátil e uma luz que também não parece ousar, o espetáculo tem o texto como o centro da encenação.
Enquanto arte presencial, o teatro de hoje não pode ser visto apenas como documento histórico, mas como discurso cênico sobre a atualidade.
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