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Artes Cênicas

Rigor do Tapa encontra força crítica em 'Anatol'

Grupo encena texto de Arthur Schnitzler sobre relações amorosas de um aristocrático Don Juan

Paulo Bio Toledo

Anatol

  • Quando Sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h. Até 30/9
  • Onde Teatro Paulo Eiró, r. Adolfo Pinheiro, 765, Santo Amaro
  • Preço R$ 20
  • Classificação 14 anos

A peça "Anatol", escrita em 1893 pelo austríaco Arthur Schnitzler, apresenta uma série de quadros independentes sobre relações amorosas vividas pelo protagonista que dá nome ao espetáculo.

São episódicos autônomos nos quais a única constante é a presença de Anatol e seu amigo Max, uma espécie de duplo e contraponto pragmático às abstrações sentimentais do protagonista.

A montagem do Grupo Tapa apresenta rigor no trabalho de interpretação naturalista, o que já se tornou uma marca estética do grupo em seus quase 40 anos de atuação. Mas é uma tarefa especialmente difícil em "Anatol".

Na peça de Schnitzer, as longas conversas ameaçam sobrepor-se à própria ação que as motiva. As personagens falam abundantemente sobre os labirintos íntimos que envolvem seus sentimentos enquanto o presente da cena vai se diluindo ou mesmo perdendo interesse. É quase um drama de conversação, no qual as situações parecem meros pretextos para a longa exposição de pensamentos.

Apesar disso, o elenco não se deixa seduzir pela retórica das personagens e ancora as falas num perspicaz entendimento do que está acontecendo na cena.

Os longos discursos ficam então implicados em situações concretas que vão revelando, por sua vez, uma dinâmica social bem captada pela montagem. Torna-se evidente, por exemplo, que as reflexões sentimentais de Anatol (papel do ator Bruno Barchesi) são indissociáveis dos caprichos sociais de um aristocrata milionário.

Enquanto ele fala, por exemplo, sobre as veleidades do amor ou sobre a vontade de viver ao sabor das pulsões sentimentais, seu mordomo observa e lhe serve champanhe.

Essa atenção do grupo pelos detalhes objetivos da peça possibilita uma dimensão mais complexa de entendimento sobre o que vemos.

Se Anatol expõe seu íntimo subjetivo e faz reflexões sobre as dificuldades de lidar com as paixões que se sucedem, ele também cataloga as mulheres com que se relacionou como se fossem mercadorias ou uma carta de vinhos.

A montagem do Tapa, dirigida por Eduardo Tolentino de Araujo, faz transparecer esse aspecto duvidável das posições filosóficas do milionário em constante crise.

As canções apresentadas entre os quadros parecem comentários irônicos sobre o volúvel Anatol. E, apesar de ele ser o eixo de todas as cenas da peça, pouco a pouco sua figura aristocrática e arbitrária causa mais desconfiança do que empatia.

Nem por isso, contudo, as reflexões sobre os influxos da paixão convivendo com nossas moralistas convenções sociais deixam de reverberar com interesse. Vemos ali espelhadas também as nossas dificuldades contemporâneas de enfrentar os dilemas do amor em sociedade.

A força dessa montagem, entretanto, é fazer com que esse tema das conversas em cena não se descole da situação e, principalmente, de um personagem ambivalente e suspeito que, não por acaso, dá nome à peça.

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