Descrição de chapéu Artes Cênicas

Montagens resgatam inéditos de Arthur Schnitzler e Brad Fraser

Grupo Tapa estreia 'Anatol', e Marco Antônio Pâmio dirige espetáculo 'Cobra na Geladeira'

MLB
São Paulo

Há um jogo de duplos que envolve o austríaco Arthur Schnitzler (1862-1931). Médico e escritor, admirava as teorias de Sigmund Freud sobre a sexualidade humana e embebia suas obras de um fluxo do inconsciente tipicamente freudiano —o psicanalista chegava a chamar Schnitzler de seu alter ego na ficção.

Em "Anatol", peça em sete cenas, bebe em sua própria história e em casos de amigos para descrever as desventuras de uma espécie de Don Juan e de seu amigo Max, seu duplo e também seu lado racional.

É um texto de 1893 e que ganha sua primeira montagem brasileira, pelo Grupo Tapa, com estreia nesta sexta (3). Antes, apenas um trecho havia sido encenado aqui, nas produções televisionadas do Grande Teatro Tupi (1954-61).

Em cada uma das cenas (aqui serão encenadas seis), Schnitzler faz um exercício de estilo. Numa investe no cômico, noutra no psicológico, noutra na linguagem abstrata. Mas todas versam sobre seus relacionamentos com diferentes mulheres, suas paixões, seus ciúmes e seus desapegos.

"Acho que é muito próximo do mundo do Tinder [aplicativo de encontros] que nós temos hoje, em que as pessoas têm esses encontros fugazes, vazios", brinca o diretor Eduardo Tolentino de Araújo, que assina a tradução do texto com Fernando Navarro.

Para o encenador, Schnitzler constrói uma radiografia dessas diferentes mulheres (uma mais carente, outra mais independente), mas especialmente do homem ocidental.

"Ele desmonta a figura masculina, mostra suas fragilidades", diz Tolentino, lembrando uma fala de Max a Anatol: "As mulheres são um enigma. Mas que enigma seríamos nós se elas parassem para pensar o quanto somos patéticos?".

Personagens um tanto medíocres também são tema de Brad Fraser, cujo espetáculo "Cobra na Geladeira", ganha sua primeira encenação nacional nesta sexta-feira (3).

Elenco do espetáculo "Cobra na Geladeira", texto do canadense Brad Fraser com direção de Marco Antônio Pâmio
Elenco do espetáculo "Cobra na Geladeira", texto do canadense Brad Fraser com direção de Marco Antônio Pâmio - Gal Oppido/Divulgação

Expoente da dramaturgia canadense dos anos 1990, Fraser ficou conhecido por aqui com "Amor e Restos Humanos", analogia sobre a Aids, que foi adaptada ao cinema em 1993 por Denys Arcand.

Em 2000, uma montagem de "Pobre Super-Homem" —sobre um transexual soropositivo que, como último desejo, pede uma uma cirurgia de mudança de sexo— fez um inesperado sucesso em São Paulo.

"Era para ficarmos seis semanas em cartaz e ficamos dois anos", recorda-se Marco Antônio Pâmio, ator e idealizador da montagem. Agora é ele que assina a direção e a tradução de "Cobra na Geladeira".

"Virei um devoto da dramaturgia do Fraser", diz Pâmio. "Percebemos o quanto suas peças chegam às pessoas pelas esquisitices dos personagens, por seus lados tóxicos. E, ao mesmo tempo, ele revela uma humanidade, um lado poético dessas sombras."

"Cobra" acompanha sete jovens desajustados, de um viciado a uma stripper e um cafetão, que dividem uma mesma casa. Sombrio, o imóvel parece assombrado, em especial depois de um dos moradores perder pelos cômodos uma cobra, que não sabem se continua viva.

O animal, que ronda à espreita, é uma simbologia do desejo. "Nessa peça, Fraser toca numa corda da obsessão e das compulsões, os personagens têm uma urgência de viver o hoje", afirma Pâmio.

É um texto escrito em 2000, numa era de consumismo desenfreado, em que tudo vira mercadoria, inclusive o afeto.

O ritmo acelerado se repete na narrativa, repleta de acontecimentos e diálogos. São cenas curtas e uma agilidade "quase cinematográfica", diz o diretor, que em sua encenação compartimenta o palco nos cômodos da casa, representados não por divisórias, mas por objetos, como camas.

"Fraser não se perde em devaneios para mostrar as problemáticas de personagens. Ele os mostra tomando decisões. São pessoas que, antes de tudo, precisam sobreviver."

Anatol

  • Quando Sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h. Até 26/8
  • Onde Teatro João Caetano, r. Borges Lagoa, 650
  • Preço R$ 20
  • Classificação 14 anos

Cobra na Geladeira

  • Quando Sex. e sáb., às 21h, dom., às 20h. Até 16/9
  • Onde CCSP, r. Vergueiro, 1.000
  • Preço R$ 30
  • Classificação 16 anos
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