Retrospectiva no IMS traz rebeldia do cineasta Nelson Pereira dos Santos

Morto em abril, o diretor se tornou conhecido com o cinema novo e deixou obra que merece ser vista por inteiro

O ator Grande Otelo em cena de "Rio Zona Norte", filme de Nelson Pereira dos Santos de 1957 - Reprodução
Inácio Araujo

Nelson Pereira dos Santos foi um homem discreto, mas não menos rebelde. Isso se poderá constatar desde a revisão de “Rio 40 Graus”, seu primeiro filme, na grande retrospectiva que o IMS inaugura neste domingo (4).

Com uma câmera emprestada pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo e uma produção mínima, colocava em prática algumas de suas ideias: mostrar os brasileiros que o cinema habitualmente escondia.

Foi a introdução do neorrealismo no Brasil: um cinema que saía às ruas, rompia com os clichês, desprezava grandes elencos. E, ao mesmo tempo, constituía uma espécie de saudação ao Rio de Janeiro por um desde então ex-paulista.

Sua última rebeldia talvez tenha acontecido alguns anos atrás, quando se declarou “cineasta dos anos 50”. O que ele foi realmente: nesses anos faria ainda “Rio Zona Norte” (1957), um formidável diálogo com a música popular em plena era da chanchada, e produziria, ainda, a belíssima estreia de Roberto Santos (“O Grande Momento”, 1957).

Não se tratava de negar o cinema novo, que o tornaria mundialmente conhecido a partir de 1964, com a repercussão de “Vidas Secas”. Tratava-se de colocar em relevo, devidamente, a fértil geração de cineastas dos anos 1950, esquecida depois da explosão do movimento que aplastara o passado do cinema brasileiro.

Para a revisão implícita na declaração seria necessário recursos para melhor preservação e restauro de muitos trabalhos. O dinheiro que faltou para Nelson tirar do papel seu último grande sonho, a biografia de Castro Alves (que faria justiça também aos seus estudos de direito no Largo de São Francisco, São Paulo).

Nesse intervalo, fez com brio obras de encomenda, como “Boca de Ouro”, adaptação tímida mas talentosa de Nelson Rodrigues. Pouco depois, nos anos duros da ditadura, produz filmes em que a linguagem metafórica disfarça o viés político. Destes, o mais forte é “Fome de Amor” (1968), em que discute a atuação dos grupos armados de esquerda e suas perspectivas.

Nelson retoma a ideia de um cinema popular com “Amuleto de Ogum” (1976), em que trazia o umbandismo  ao centro da cena. Anos depois, com a dupla Milionário e José Rico, faria um musical sertanejo de sucesso expressivo. 

Com o regime militar agonizante, voltaria a Graciliano Ramos com “Memórias do Cárcere” (1984), com o qual abre a Quinzena dos Realizadores de Cannes e ganha o prêmio da crítica. Foi talvez o filme mais marcante dessa década.

O fato de não ter mais trabalhado com o produtor Luís Carlos Barreto pode ter contribuído para o fracasso comercial de seus filmes seguintes, entre eles “A Terceira Margem do Rio” (1993), adaptação de contos de Guimarães Rosa, e “Brasília 18%” (2006), notável visada sobre o clima, usos e costumes da capital do país.

Desde 2006, Nelson tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono foi Castro Alves. Frágil consolo à impossibilidade de conseguir levantar fundos para fazer um filme sobre o poeta. Nelson Pereira dos Santos morreu este ano, em 21 de abril, deixando uma obra que merece ser vista e revista por inteiro.

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