Raduan Nassar teve pseudônimo na juventude, mostra acervo de revista

Em 1977, escritor assinou como João Severo, na edição 25 da antiga revista de literatura Escrita

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O escritor brasileiro Raduan Nassar durante debate no Espaco Cult Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

O silêncio já dura mais de três décadas. Depois de uma obra tão breve quanto ruidosa, Raduan Nassar resolveu se recolher —nada de entrevistas, festivais, os salamaleques todos da vida literária. E, sobretudo, nada mais de livros novos desde então.

O que resta a quem deseja conhecer outras facetas do escritor é vasculhar o passado, porque é lá que —paradoxalmente— estão os textos novos, por assim dizer.

A reportagem descobriu que, na juventude, Raduan já assinou pelo menos uma vez com um pseudônimo. O nome, João Severo, está na edição 25 da antiga revista de literatura Escrita, em 1977 —e vem acompanhado de outros amigos, incluindo Wladyr Nader, o editor da publicação.

As edições da Escrita, que durou de 1975 a 1988, estão preservadas na íntegra na coleção de periódicos de Jorge Yunes, conjunto de 2.500 títulos que começam a ser leiloados ao longo deste ano, já a partir de fevereiro.

A identidade por trás do pseudônimo foi confirmada pelo escritor a este repórter, mas Raduan preferiu não dar entrevista sobre o assunto. À época, ele publicara um ano antes “Lavoura Arcaica” e publicaria no ano seguinte “Um Copo de Cólera”.

Na Escrita, João Severo assina uma entrevista com o escritor e tradutor Jamil Almansur Haddad, morto em 1988 e conhecido pelas versões em português de clássicos, em especial “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire. Parte da segunda geração de imigrantes libaneses no Brasil, Haddad naquela ocasião lançava um livro na França.

A entrevista não diz o título, mas se tratava de “Aviso aos Navegantes”, uma obra de cunho político da qual o autor previa novos volumes. Foi editada no Brasil só em 1980.

Raduan faz poucas intervenções na conversa. Na primeira, reclama que a imprensa não noticiou a morte do escritor Manoel José Gondin da Fonseca —e só foi ler a notícia um mês depois, graças à  publicação na imprensa alternativa.

Haddad defende que “desapareceu o mito” de que a posteridade seria justa. “A verdade é que autor morto é mais fácil de controlar do que autor vivo”, diz. Raduan responde: “Isso aí contraria pelo menos a crença de que a posteridade faz justiça à obra”.

Em outro momento, o poeta conta que, ao ver seu livro rejeitado no Brasil e em Portugal, sentiu maior liberdade ao poder escrevê-lo sem pensar na publicação.

“É quando a gente se liberta das censuras oficiais, da censura do eleitor, do crítico, dos meios literários, do noticiário, da censura da opinião dos amigos e dos inimigos”, conta. “Só não se liberta da censura da história, da sua própria história”, responde o autor de “Lavoura Arcaica”.

A última intervenção importante é quando Haddad diz não aceitar transformar sua poesia “em mistério” —para ele, isso tiraria seu poder de comunicação com o leitor. Raduan rebate.

“Isso aí eu contesto. Acho que o misterioso tem um poder de comunicação forte, entendeu? Forte mesmo. E acho que ninguém escapa da condição de prisioneiro de uma situação misteriosa. No momento em que isso se esclarece realmente, corta-se o vínculo entre vocês e a situação.”

Nas dezenas de edições da Escrita, essa é a única vez em que aparece o nome João Severo em uma reportagem. Ironicamente, anos depois a revista comentaria a renúncia à literatura realizada por Raduan.

Em 1986, a publicação traz uma divertida reportagem chamada “Patota, Panelinha e Lobby”, sobre as igrejinhas da vida literária. “Entre os ‘lobbies’ que deram certo, estão o maranhense, o gay, o imortal, o do Partidão, o gaúcho, o nordestino e o da imprensa”, diz o texto.

O maranhense teria se fortalecido com a chegada ao poder de José Sarney, quando “se assanhou todo e foi fortalecido nas longas noites de conspiração em São Luís ou na sucursal maranhense mais ativa, a zona sul carioca”.

Ao fim, o autor do texto escreve: “Agora, um anúncio classificado: ‘Procura-se Raduan Nassar. Não é 
nenhuma Madonna que está atrás do escritor que veio de Pindorama. Mas os amigos, leitores, editores e agentes  estão aflitos.

O escritor decidiu exilar-se entre coelhos, feijões e mandiocas do seu sítio, desiludido com a vida literária. Afinal, ele foi sempre um dos mais eminentes participantes do lobby dos que não tem lobby”.

Talvez, especula o artigo, Raduan tenha sumido de vergonha ao ser citado por Celso Furtado, então ministro da Cultura, como um de seus autores de cabeceira. “[É] um lugar extremamente incômodo para qualquer escritor cuja ideia de cultura vá além do circo e da palhaçada.”

Curiosamente, o texto é assinado por um certo Waldo Lydecker —o que também pode ser um pseudônimo, já que esse é o nome de um personagem do filme “Laura”, de Otto Preminger, lançado em 1944.

“Nós nos reuníamos quase todo fim de semana na casa do Hamilton Trevisan [advogado e também amigo de Raduan]. Lembro dessa entrevista”, diz Wladyr Nader, fundador e editor-chefe da Escrita, hoje professor universitário.

Nader, que era do grupo de advogados formados pela faculdade do largo São Francisco, onde Raduan estudou, conta que a revista chegou a ser impressa na mesma gráfica do Jornal do Bairro, que pertencia aos Nassar e foi dirigido pelo autor de “Um Copo de Cólera”. O ex-editor acredita que essa foi a única colaboração do amigo com a Escrita.

A descoberta do pseudônimo serve de lembrança que há uma produção perdida de Raduan no jornalismo. E abre uma trilha para que novos textos sejam encontrados.

No Jornal do Bairro, por onde passaram nomes como Maria Rita Kehl, Paul Singer e Paulo Emílio Salles Gomes, escrevia-se especialmente sobre política nacional e internacional . Ele deixa o semanário em 1974, por discordar de uma mudança editorial —à época, a publicação imprimia 160 mil exemplares por edição.

No último ano, a reportagem esteve em acervos públicos e privados atrás de cópias do Jornal do Bairro, mas não há notícias de que tenha sido preservado em algum lugar. Ele era financiado pelo Bazar 13, mercado tradicional que pertencia aos Nassar.

Em uma de suas raras entrevistas, dada aos Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles, Raduan Nassar comentou a importância do jornalismo em sua formação. “O jornal destrancou parte da minha timidez, mas me destrancou muito mais como escritor.”

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