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Absurdo e divertido, romance 'Glória' nos faz rir onde deveria nos fazer chorar

Livro de estreia de Victor Heringer, morto em 2018, mostra gerações e gerações de uma família que morrem de desgosto

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O escritor Victor Heringer, morto em 2018 - Renato Parado/Divulgação
São Paulo

Glória

  • Preço R$ 49,90 (296 págs.)
  • Autoria Victor Heringer
  • Editora Companhia das Letras

Se ao leitor é pedida uma certa dose de benevolência diante de uma obra inaugural da carreira de um autor —primeiros livros podem não ser os melhores representantes da produção de um artista—, qual será o sentimento esperado quando se sabe que essa mesma obra pode, também, ser a última vez que se terá contato com algo ainda desconhecido assinado por ele?

Primeiro romance de Victor Heringer, “Glória” foi publicado originalmente pela casa independente 7Letras e ganhou o segundo lugar do prêmio Jabuti de 2013. O autor estreara como poeta e vinha escrevendo também contos e ensaios —em 2016, lançou “O Amor dos Homens Avulsos”, que também colheu elogios.

Na obra de estreia, a leitura sobre a família carioca dos Alencar Costa e Oliveira e a trajetória de três irmãos carrega consigo o ar incômodo dos términos de relação. Morto em março do ano passado, aos 29 anos, Heringer não escreverá mais romances, e todo o ineditismo de sua obra deve ficar por conta do lançamento, em breve, de suas poesias, prometido para este ano pela editora. 

Apreendido neste contexto, entre o desalento do adeus e a singeleza da estreia, em que se perdoam exageros e experimentações, “Glória” cumpre com capricho a exigente tarefa de relatar uma saga familiar, com gerações e gerações que morrem sempre da mesma causa: desgosto.
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Heringer acompanha cronologicamente muitos personagens, sem abandonar em nenhum momento a profundidade de cada um deles.

“Glória” concentra-se, a partir de certo ponto, no artista plástico Benjamin, o filho mais velho, que, em meio a um casamento falido, apaixona-se por uma vizinha durante uma exposição.

Na tentativa de contatá-la virtualmente, já que patina na coragem para uma abordagem no elevador do prédio, o jovem, na esperança de que se esbarrem novamente, junta-se a uma comunidade de bate-papo online, onde os participantes usam pseudônimos como J.D. Salinger e Mário de Andrade. 

A escolha por um cenário datado como o dos fóruns de internet, no entanto, é arriscada não só pela possibilidade de falta de identificação dos leitores de gerações pouco afeitas a ferramentas do tipo, mas também porque acaba gerando uma quebra no ritmo do texto, que tão bem transcorre quando Heringer opta pelo estilo machadiano típico de sua prosa. 

Entre oportunos pastores interesseiros, senhoras solitárias, ondas moralistas, parentes pudicos e uma invasão de formigas em um bairro inteiro, “Glória” tem como mérito principal o pleno domínio da ironia, que Heringer desfila na narração e na boca dos personagens.

Com isso, gera um clima absurdo e divertido, em que o que deveria fazer chorar causa risos, e, onde talvez houvesse comicidade, o que fica é comoção e saudade.

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