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Americana cria HQ mais celebrada do momento com esferográficas e canetinhas

Emil Ferris viu 'Minha Coisa Favorita É Monstro' ser recusada por 48 editoras antes de chegar ao Brasil

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Ilustrações de 'Minha Coisa Favorita é Montros' Divulgação

São Paulo

Aprender a desenhar foi um prêmio de consolação na vida da quadrinista Emil Ferris. Ela nasceu com um tipo de escoliose que deixou seus pés pequenos demais e só permitiu que ela caminhasse quando tinha pouco mais de dois anos. "Como eu não podia explorar o mundo com os pés, explorava desenhando", diz a artista.

Nascida em Chicago e hoje com 55 anos, Ferris se diz contente pelo desenho sempre ter feito parte da sua vida e a ajudado em épocas difíceis.

 

"Espero, com toda sinceridade, que quem ler isto aqui —alguém que já amou desenhar, quem sabe— volte a seu bloquinho. Desenhar é uma das grandes maneiras de cultivar amor-próprio e honrar o que a existência tem de belo", afirma a artista.

A ode à beleza feita por Ferris soa irônica vindo da autora do macabro "Minha Coisa Favorita É Monstro". As 416 páginas do álbum, colocado em pré-venda pela Companhia das Letras e com lançamento previsto para março, compõem o diário ilustrado de Karen Reyes, uma menina de dez anos que se retrata como uma "lobismoça" enquanto investiga o assassinato de uma vizinha sobrevivente do Holocausto num subúrbio da Chicago dos anos 1960.

As referências de Karen ao narrar sua busca pela verdade por trás da morte de Anka Silverbeg são centradas principalmente em filmes de horror B e revistas do gênero típicas da época e protagonizadas por mortos-vivos, demônios, vampiros, bruxas e lobisomens.

Ao imaginário da garotinha se somam peças de uma investigação envolvendo seu irmão, este um tatuador de passado misterioso, um músico de jazz, uma drag queen, um ventríloquo e outras personalidades banais, mas ainda mais assustadoras que os monstros que encantam a personagem principal.

Primeiro de dois álbuns, com o segundo volume previsto para setembro deste ano nos Estados Unidos, "Minha Coisa Favorita É Monstro" também é o quadrinho de estreia de Emil Ferris.

Lançado em fevereiro de 2017 nos EUA, o livro foi elogiado por gigantes das HQs, como Alison Bechdel, Art Spiegelman e Chris Ware.

Venceu três Eisner (melhor álbum, melhor escritora ou artista e melhor colorista), a premiação máxima da indústria de HQs americana, e também o Fauve d'Or, prêmio do tradicional Festival de Angoulême, na França, e entregue ao melhor quadrinho publicado no país no ano anterior.

Mas se o sucesso de "Minha Coisa Favorita É Monstro" garantiu o lançamento da continuação da HQ e a compra de seus direitos para adaptação para o cinema pelos estúdios Sony, a obra teve como ponto de partida um período conturbado na vida de Ferris.

No início dos anos 2000, ela trabalhava como ilustradora freelancer e designer de brinquedos quando contraiu a febre do Nilo Ocidental, transmitida pela picada de um mosquito. A doença a paralisou da cintura para baixo durante nove meses, também inutilizando temporariamente sua mão direita.

Ainda em uma cadeira de rodas, enquanto se recuperava da doença, ela se graduou em escrita criativa pela Escola do Instituto de Arte de Chicago e, na mesma época, começou a trabalhar nos primeiros rascunhos do que viria a ser "Minha Coisa Favorita".

"Me veio a imagem de uma garotinha lobisomem protegida pela capa de chuva de um garoto mais alto com cara de Frankenstein. Aí eu pensei: 'Que coisa curiosa. Por que essa imagem?'. A história se aglutinou em torno desse momento", conta a autora.

Um dos focos principais de "Minha Coisa Favorita" acaba sendo a relação entre Karen e o irmão artista. Durante passeios dos dois pelos museus de Chicago, a menina aprende sobre história da arte e técnicas que ela reproduz em seu diário, hábito cultivado por Ferris durante a infância.

"Quando eu tinha uns dois anos, minha mãe me dava a página dominical de quadrinhos no jornal para recortar e transformar em colagem. Eu gostava muito de recortar, colar e desenhar quando era pequena. Eu adorava as cores esmaecidas, o pontilhado. Adorava que a cor raramente fechava com os contornos. Eu transformava aquelas imagens nos meus gibizinhos de bebê, alegres e toscos", conta.

"Minha Coisa Favorita" foi todo produzido com caneta esferográfica e canetinha de colorir. Ao finalizar o livro, Ferris deu início a uma longa busca por uma casa que o publicasse. O livro foi recusado por 48 editoras, que o consideraram "diferente demais e grande demais", relata a artista.

"A primeira editora que topou não conseguiu publicar o livro, eu fui à falência e me despejaram de casa", lembra Ferris. Foi o período mais dramático de sua jornada até o lançamento da HQ.

As coisas começaram a melhorar quando ela assinou com a editora Fantagraphics, responsável pela publicação de alguns dos maiores clássicos das HQs mundiais, como obras de Robert Crumb, a série "Love & Rockets", dos irmãos Hernandez, e a edição americana de "Cumbe", do brasileiro Marcelo D'Salete.

Não acabou ali o périplo do quadrinho de Ferris. O lançamento de "Minha Coisa Favorita", marcado para o fim de 2016, precisou ser adiado por alguns meses após o navio coreano que fazia o transporte da tiragem inicial de 10 mil exemplares impressos na China ser retido no Canal do Panamá, junto de outros 86 barcos da mesma transportadora, por causa de um pedido de falência da empresa.

"Agora estou em um apartamento horrível cheio de infiltração. Espero que em breve eu tenha como pagar um estúdio", brinca a quadrinista, dois anos após o lançamento da obra nos EUA e em meio à produção do segundo volume do projeto. Ela diz ainda estar se acostumando com a comoção e os prêmios recebidos pelo livro.

"Estou lisonjeada e um pouco perplexa por essa coisa toda. Fiz esse livrão monstro no isolamento total. Ninguém leu antes de eu terminar, então não tinha ideia do que havia criado. Tal como o Frankenstein, não fazia ideia de que ele iria viver até que a eletricidade das imaginações dos leitores começasse a fluir pelos seus ossos".

Minha Coisa Favorita É Monstro

  • Preço R$ 134,90 (416 págs.)
  • Editora Companhia das Letras
  • Autora Emil Ferris
  • Tradução Érico Assis
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