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Todo cara que tem a audácia de rodar um filme sobre a elaboração de uma enciclopédia ou dicionário, reunindo um grupo de sábios dispostos a levar adiante essa tarefa, devia carregar consigo, o tempo todo, uma cópia de “Bola de Fogo”. Nesse filme de 1941 Howard Hawks mostra exatamente isso: como um grupo de sábios fora do mundo por anos e anos pode ser contaminado e enriquecido pela presença de um elemento exterior.
O que fez o iraniano Farhad Safinia é quase a mesma coisa e seu inverso. Lá está, para começar, o ilustrado James Murray (Mel Gibson), que decide levar adiante, em meados do século 19, a tarefa de liderar a elaboração do hoje célebre Oxford Dictionary. Monstruosa empreitada que consiste a colocar a língua inglesa inteira, a etimologia e o sentido (variável ao longo do tempo) de cada termo.
Ao contrário do prof. Potts de “Bola de Fogo”, todo galã (era Gary Cooper), que encontrará inspiração na bela e marginal Sugarpuss (Barbara Stanwick), aqui o prof. Murray vai encontrar apoio num médico paranoico, atualmente num hospício para alienados, depois de matar um homem que, supostamente, o perseguia. O louco, no caso, chama-se William Minor (Sean Penn), ex-médico do exército durante a Guerra de Secessão (1861-1865) nos EUA e visivelmente vitimado por ela.
“O Gênio e o Louco” é, antes de tudo, um exercício de “softpower” do Reino Unido (o maior dicionário da língua é britânico). Subsidiariamente, é também um merchandising da versão digital do célebre dicionário. E, por fim, um elogio ambíguo ao mundo dos livros.
Esta última parte é a mais presente na imagem do filme: de repente vemos o prof. Murray com uma pilha de livros e pensamos no quanto era incômodo o universo da imprensa, com seu peso, com aqueles volumes a tomar todo o espaço do mundo etc.
Já o dr. Minor dispõe de uma cela vazia, onde enlouquece cada vez mais. Ao saber que Murray busca ajuda põe-se a trabalhar para ele. Sua cela vai se encher também de livros e papeluchos. Minor coloca sua loucura à disposição do conhecimento. De certa forma será essa a maneira que encontra de preservar alguma sanidade.
Como se vê, o filme tem tudo para enveredar para o mais sisudo academismo. E não desaponta o espectador desconfiado.
Claro, desenvolve-se ali, para variar, a história de uma amizade entre dois homens distantes socialmente, embora próximos pela insânia (a de Murray sendo metafórica e a de Minor literal).
E ainda a história de uma busca do perdão. Pois, ao matar o seu suposto perseguidor, Minor deixa a viúva de sua vítima com uma penca de filhos e sem meios para sustentá-los. Quando recupera um mínimo de lucidez ele busca reparar na medida do possível o mal que fez.
Até por ser baseado em personagens que existiram, “O Gênio e o Louco” demonstra que a elaboração de um grande dicionário é tarefa que sem algum grau de loucura não se leva adiante.
Justamente por isso pode-se lamentar que tal loucura tenha sido enclausurada numa camisa de força formal a que o espectador permanece preso, condenado a se embalar na música meio pernóstica e a apreciar, basicamente, a habilidade dos atores do filme.
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