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Cinema

Prêmios em Cannes mostram Brasil perto de um novo ciclo de reconhecimento

Troféus servem à conquista da internacionalização das produções e, com isso, à independência do Estado

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Quando “O Pagador de Promessas” ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em 1962, a revista Cahiers du Cinéma observou, discretamente, que ali se podia vislumbrar o nascimento de uma nova dramaturgia. Dois anos depois, em 1964, essa nova forma aportava em Cannes com ares de revolução estética, graças a “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, e, sobretudo, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.

Como em Cannes a reputação vale mais do que os prêmios, foram esses dois filmes que marcaram de fato o cinema mundial. O prêmio de melhor direção para “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, em 1969, apenas sacramentou o prestígio internacional do cinema brasileiro naquela década, com Glauber à frente, sempre ele, que já levara o prêmio da crítica internacional dois anos antes por “Terra em Transe”.

 

Foi Glauber, sobretudo, quem modernizou as ideias um tanto arcaicas, mas muito bem acolhidas por Cannes em 1953, de “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, que ganhou então o prêmio de melhor filme de aventura e obteve enorme sucesso mundial.

Houve outros prêmios naquele período, como o especial do júri de Berlim para “Os Fuzis”, de Ruy Guerra. Depois, foi o refluxo, quebrado, eventualmente, por um Urso de Prata para “A Queda” (1978), também de Ruy Guerra.

O cinema brasileiro tinha perdido o viço, admita-se, e a importância. Algum soluço esporádico podia nos lembrar do esplendor do passado, como quando Walter Salles ganhou o Urso de Ouro de 1998, em Berlim, com “Central do Brasil”.

A importância das premiações europeias entre os anos 1950 e 1970 também diminuiu a partir do fim da crise dos estúdios em Hollywood e a consequente dominação plena do mercado mundial pelo cinema americano, nos anos 1980.

Desde então, foi para o Oscar que voltamos as atenções. Hector Babenco se destacou com “O Beijo da Mulher Aranha” (1986) e abriu caminho para que grandes torcidas se formassem diante da TV, tipo jogos da Copa, na esperança de vitória para “O Quatrilho” (1995), de Fábio Barreto, e depois para “Central do Brasil”.

Mesmo “Central”, no entanto, apontava para o passado. Walter Salles se apresentava como descendente do cinema novo. O melhor havia passado. Nossa atenção agora estava voltada para a Argentina de “O Pântano” e “Nove Rainhas”.

Enquanto isso, o Brasil soube ao menos produzir uma crítica forte, via internet, que influenciaria o surgimento de uma geração bem mais sólida de cineastas, que se desenvolveria ao longo dos anos 2000.

Ganhar a mostra Um Certo Olhar, como fez Karim Aïnouz com seu “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, é bem mais do que nada. Um prêmio do júri na mostra principal, como o recebido por “Bacurau”, consolida o prestígio que Kleber Mendonça Filho já tinha com seus dois filmes anteriores. 

Esses prêmios recentes e boas críticas, assim como no começo dos anos 1960, talvez indiquem que o Brasil está próximo de um novo momento de reconhecimento de seu cinema. Para um país tão inseguro a respeito de si mesmo, o que o mundo diz a nosso respeito tem muita repercussão interna, sim.

Em 1964, dois filmes brasileiros fizeram a sensação em Cannes e consolidaram as promessas de “O Pagador”. Inauguraram um momento de prestígio, apesar das dificuldades políticas. Hoje, tais prêmios servem não apenas às vendas internacionais dos filmes, mas à conquista da internacionalização das produções e, com isso, à independência do Estado. A tendência já existe, mas torna-se mais decisiva num momento em que a atividade artística, a cultura e o conhecimento em geral —o cinema sempre à frente— tendem a passar algum sufoco no país que, afinal, adotou o estrambótico conceito de “marxismo cultural”.
 

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