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Almodóvar esquece a narrativa em filme com estilo, conceito e sentimento

Com necessidade confessional, diretor fala da própria finitude em 'Dor e Glória'

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Cena do filme 'Dor e Glória' de Pedro Almodovar
Cena do filme 'Dor e Glória' de Pedro Almodovar - Reprodução

Dor e Glória

  • Quando Estreia nesta quinta (13)
  • Classificação 16 anos.
  • Elenco Antonio Banderas, Leonardo Sbaraglia, Penélope Cruz .
  • Produção Espanha, 2019.
  • Direção Pedro Almodóvar

Há uma cena fundamental em “Dor e Glória”, já perto do fim, que não apenas é a melhor do filme, como também está entre as mais bonitas já feitas. Uma criança desmaia ao se deparar pela primeira vez com a beleza suprema. Que é também o instante em que ela descobre o desejo, o que definirá suas vontades e obsessões enquanto adulta.

Beleza e desejo, vontades e obsessões têm relação direta com a criação de um artista, e quando ele não consegue transformar isso em arte, é como se estivesse à beira da morte. Por isso mesmo, o “Oito e Meio” de Almodóvar também é seu “All that Jazz”: a metalinguagem para superar a trava criadora traz uma aguda necessidade confessional, mas também uma preocupação altamente existencialista de falar da própria finitude. Afinal, para um artista, não criar é como não viver.

A não criação enquanto morte é a alegoria-motriz de “Dor e Glória”, onde Almoóvar fala de suas próprias crises por meio do cineasta Salvador, sem inspiração e adoentado, que reencontra (na realidade ou em sua mente) pessoas importantes em sua vida. Vicia-se em heroína e tem devaneios, que se misturam a memórias —talvez idealizações de seu passado, com o qual precisa acertar contas.

Almodóvar parecia ter tudo à mão para fazer sua obra definitiva: um conceito (o metacinema como exorcismo dos próprios fantasmas), um sentimento (a melancolia), um estilo (poderosas ideias visuais). Mas se esqueceu de algo essencial: uma narrativa.

O fio criado pelo diretor é incapaz de abarcar todo o desconexo —ainda que extraordinário— arsenal afetivo e imagético que ele queria expressar. Ao que parece, Almodóvar levou muito a sério a ideia de que os filmes sobre bloqueio criativo se fazem por si próprios e achou que despejar suas ideias e sentimentos na já batida trama do artista travado seria suficiente para criar sua obra-prima.

Enganou-se. Por vezes, o filme parece existir apenas para reforçar aquilo que Almodóvar talvez mais temesse: ele continua em crise criativa.

“Dor e Glória” não é um filme sobre tristeza, é melancolia, pura e simples, que o diretor trata de modo inusitadamente frio, controlado — o longa nunca atinge um clímax ou um instante intenso. E, sem intensidade, o que sobra do cinema de Almodóvar?

Em Cannes, o júri entendeu que a exaltação da crítica ao filme tem sido mais uma reverência a uma carreira brilhante do que um elogio ao longa em si. Acertou ao premiá-lo no que tem de melhor: a atuação de Antonio Banderas, circunspecta e dolorosa.

Há cenas lindas, como as que retratam um ator em uma piscina, ou o beijo que Salvador e um ex-amante (Leonardo Sbaraglia) encenam em uma recaída. Mas, no geral, “Dor e Glória” é um filme incompleto, rarefeito. Talvez seja mesmo a obra-súmula do cinema almodovariano, mas uma que foi lastimavelmente filmada antes de estar pronta. Melhor seria ter esperado um pouco mais e evitar esse parto prematuro, sem fórceps.

 
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