Um roqueiro que fez sucesso nas décadas de 1980-1990 volta aos palcos, mas é surpreendido por um vídeo que viraliza na internet. A gravação que se espalha dá início a um episódio de linchamento virtual.
Interpretado por Paulo Miklos, não por acaso, o personagem do músico Aurélio se vê diante de uma onda de ódio e radicalização, contexto semelhante ao Brasil de hoje, na opinião do diretor do longa "O homem cordial", Iberê Carvalho. O filme abre a mostra competitiva do 47º Festival de Gramado nesta sexta-feira (16).
O ambiente de intolerância do filme é resultado da perplexidade do diretor desde que se deparou com um vídeo de um garoto sendo linchado em uma manifestação que pedia o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em Copacabana, no Rio de Janeiro.
Assim surgiu a ideia para o argumento que foi roteirizado juntamente com o uruguaio Pablo Stoll (Wisky, 2003).
"O filme é sobre linchamentos, virtuais e reais, mas também é sobre privilégios de uma parcela da população e como se lida com isso. É atual porque a gente está vendo uma violência isntitucionalizada, sem pudor. O atual presidente foi eleito com o símbolo de uma arma, diz muito sobre o país de hoje. O que era para se ruam lente de aumento sobre a violência hoje parece até suave em alguns momentos perto do que a gente vê acontecendo", disse o diretor à Folha, antes da estreia.
Segundo Miklos, o ponto de partida do filme é a reação diante do linchamento virtual. "Ir contra a brutalidade da situação fala sobre humanidade, sobre se sensibilizar e ver a reação da sociedade. Tem a discussão paralela de como a internet tem um impacto. Como meu personagem é uma figura pública, isso se potencializa muito mais. Ele passa afazer uma grande trajetória para buscar a verdade dos fatos ao longo de uma noite em que ele faz uma espécie de viagem por São Paulo, minha cidade", disse o ator.
A trama envolve também uma jornalista que passa a querer descobrir a verdade sobre o vídeo e o envolvimento do roqueiro e um amigo, interpretado por Thaíde, que fez parte da primeira formação da banda.
O nome do filme é uma referência ao conceito sociológico de "homem cordial" desenvolvido pelo historiador Sergio Buarque de Hollanda, que trata sobre como as relações privadas, inclusive familiares, são transpostas para um nível público e institucional com pouco distinção, entendido assim como "cordialidade".
"O nome foi escolhido de certa maneira como uma ironia em relação ao termo", explica o diretor.
Miklos, que chegou a ter canções dos Titãs, sua antiga banda, censuradas durante a ditadura militar e logo após a redemocratização, em 1986, se diz perplexo com o tratamento que a cultura vem recebendo no país. "Vivi na pele, era censura mesmo. Riscavam com prego os vinis", relembrou.
"Filtro por conteúdo é censura", disse Carvalho sobre as declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre filmes sobre sexualidade, que ele considera que não devem receber verba por captação.
A repórter viajou a convite do Festival
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