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'A Idade de Ouro do Brasil' é insólito e o livro mais político de João Trevisan

Obra encerra espécie de trilogia sobre o ciclo vicioso do país e personagens vivem no auge do governo Lula

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Alexandre Vidal Porto

A Idade de Ouro do Brasil

  • Preço R$ 54,90 (216 págs.)
  • Autor João Silvério Trevisan
  • Editora Ed. Alfaguara

No mais recente romance de João Silvério Trevisan, políticos e travestis passam um fim de semana juntos. Não é toda hora que isso acontece na literatura brasileira.

Durante o feriado da Semana Santa de 2009, um grupo de políticos se reúne em uma casa de campo no interior de São Paulo para discutir a fundação de um novo partido.

Na casa com eles, uma trupe de travestis, As Afrodites da Pauliceia, contratada pelo organizador do encontro para fazer um show e participar de uma orgia regada a cocaína com os políticos que estão hospedados na casa.

O Brasil vivia uma fase de otimismo. Era o auge do governo Lula: o país ingressara nos Brics, descobrira o pré-sal, apresentava avanços sociais e tinha reconhecimento internacional. Parecia que ia decolar. Na realidade, não foi o que aconteceu.

Não é o que os governantes querem que aconteça. A ideia daqueles políticos, reunidos para fundar algo novo, era justamente garantir que tudo continuasse velho, e que os esquemas que os beneficiavam se mantivessem. Muda a embalagem, mas o produto segue o mesmo.

A visita à casa, inesperada e agressiva, de um ex-capitão do Exército alçado à classe política desvirtua os planos do grupo para o fim de semana. Depois de sua aparição, a dinâmica do encontro vai para o brejo, com resultados violentos e pertubadores.

É como se os acontecimentos daquele fim de semana de Páscoa prenunciassem o fim trágico dos êxitos que o Brasil, ilusoriamente, vivia. Mesmo no auge, subjazia a miséria. O que parecia sublime trazia em si o germe do grotesco. Trevisan declarou em entrevista que sua ideia, com o livro, “era desvelar um Brasil invisível”. É isso o que ele faz.

Em sua concepção original, em 1987, “A Idade de Ouro do Brasil” era um roteiro de cinema. É importante que se tenha isso em mente, porque traços desse DNA cinematográfico estão em toda a parte.

Percebe-se que Trevisan se preocupou em criar uma “cenografia” para o livro. A história se passa quase inteiramente no Solar das Rosáceas, uma casa de campo no interior de São Paulo, construída em forma de flor, descrita minuciosamente. Durante a leitura do livro, pode-se vê-la.

Escritor Joao Silverio Trevisan, que morou em Berkeley, no periodo que o Milk militava pelo movimento LGBT.
Escritor Joao Silverio Trevisan, que morou em Berkeley, no periodo que o Milk militava pelo movimento LGBT. - Foto: Maria do Carmo/ Folha Imagem

De resto, os personagens atuam: carregam a maquiagem forte de quem vai se apresentar no palco e tem de ser reconhecido de longe. Todos identificamos cada um daqueles tipos políticos e travestis. O leitor sente-se como câmera invisível.

A sugestão é de que o Brasil nunca muda, vive preso num ciclo vicioso de eterno retorno, numa dialética involutiva sem fim. Quando dá a impressão de estar mudando, é só uma acomodação para que nenhuma transformação estrutural aconteça.

João Silvério Trevisan já declarou ter obsessão pela trajetória histórica nacional. “A Idade de Ouro do Brasil”, seu 15º livro, encerra uma trilogia sobre o país, iniciada com “Ana em Veneza” (1994) e “Rei do Cheiro” (2009).

É seu romance mais explicitamente político. Não há metáfora de esperança. Todos os caminhos levam tão somente à tragédia nacional. Desmascara a história de um país que perdeu o rumo, mas não se deu conta disso.

“A Idade de Ouro” é uma leitura fluida e fácil, mas que fica. No início, tudo parece exagerado e implausível. Mais adiante é que o leitor se dá conta de que é essa a realidade do Brasil: os personagens são estereotipados e a história, muito louca.

Mas, ao forçar a mão nas cores, não se deixa lugar à dúvida: tudo é muito louco, mas é real.  Como no Brasil de hoje.

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