Em março de 1995, dois diretores dinamarqueses lançaram um manifesto a favor de um cinema baseado na câmera na mão e sem truques de fotografia e iluminação especial.
Defendiam, em suma, filmes radicalmente realistas, sem efeitos. Surgia o Dogma 95.
Um desses diretores era o jovem Thomas Vinterberg; o outro, Lars von Trier, já tinha quase 40 anos. Nos anos seguintes, outros cineastas aderiram ao receituário.
Havia uma dose farta de marketing nesse protesto contra Hollywood, mas o fato é que o movimento ganhou visibilidade, especialmente porque alguns dos filmes eram realmente bons.
Muito premiado, “Festa de Família” (1998), de Vinterberg, foi a melhor produção lançada sob as regras do Dogma 95.
Depois disso, já sem as amarras do movimento, ele lançou filmes como “A Caça” (2012) e “A Comunidade” (2016). Nenhum deles tem a força criativa de “Festa...”, mas expunham as preocupações de um diretor em busca de uma assinatura própria.
A passagem do tempo não fez bem a Vinterberg. No recém-lançado “Kursk”, ele se entrega à cartilha de Hollywood. Não que isso seja ruim por si só —nada impede que cineastas experimentem diferentes linguagens ao longo da carreira.
O problema é constatar que Vinterberg abriu mão de qualquer ousadia estética. Como Quentin Tarantino mostra continuamente, é possível usar os códigos do cinema comercial americano para dar um passo adiante. Não é o que faz o dinamarquês.
Baseado numa história real, a produção lembra um episódio trágico de agosto de 2000. Na ocasião, um submarino russo —que dá nome ao filme— afundou no mar de Barents, localizado ao norte da Noruega e da Rússia. Considerado indestrutível pela Marinha do país, a embarcação levava 118 homens.
No eixo central desse thriller dramático, está o capitão-tenente Mikhail Kalekov (Matthias Schoenaerts), que tem um filho pequeno e sua mulher está grávida.
Faltam nuances aos personagens principais de “Kursk”, e os raros sinais de ambivalência somem justamente nas situações-limite. Somos lembrados insistentemente do heroísmo de Kalekov e da generosidade de David Russell (Colin Firth), o comandante da Marinha britânica que oferece ajuda aos russos.
Por outro lado, o apuro técnico é evidente. Vinterberg filma as explosões dentro do submarino com tamanha precisão que consegue assustar o espectador.
O diretor claramente domina a engrenagem do cinema de ação, uma ironia quando nos lembramos do passado de Vintenberg, um tempo de pregação contra filmes de efeitos mirabolantes.
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