Após buscar independência, filhos lançam turnê com músicas de Paulinho da Viola

Beatriz e João Rabello apresentam 'Coisas do Amor' nos dias 14 e 15 de março, no Sesc 24 de Maio

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Rio de Janeiro

Antes da entrevista da cantora Beatriz Rabello e do violonista João Rabello à Folha, Paulinho da Viola não tinha qualquer informação sobre o show em que seus filhos interpretarão composições suas.

“A intenção era fazer sem que ele acompanhasse. Ele vai ser espectador”, conta João.

A intenção foi derrotada no momento em que o pai teve acesso ao repertório, na conversa realizada na casa da família, no Itanhangá, zona oeste do Rio.

Com a delicadeza habitual, ele começou a tecer comentários sobre o roteiro de “Coisas do Amor - Na Canção de Paulinho da Viola”, que será apresentado nos dias 14 e 15 de março, no Sesc 24 de Maio, em São Paulo.

“Achei que tinha ‘Bloco de Amor’”, referindo-se ao samba que fez para a filha e virou título do CD lançado por ela em 2016.

“‘Só o Tempo' tem de estar.”

“‘Nada de Novo’ pode sair.”

“Acho que você devia fazer um solo, João. Eu ia sugerir a você que fizesse o ‘Inesquecível’.”

As observações demonstram o conhecido rigor de Paulinho. Sente-se mal quando não faz o que considera o melhor.

“Herdamos esse nível de exigência”, atesta Beatriz. “Há músicos que tocam com ele há 40, 50 anos. Mesmo assim, ele faz questão de ensaiar antes de cada show.”

No caso de João, somam-se ao exemplo do pai outros dois: o do avô César Faria (1919-2007), a quem ele substituiu na banda de Paulinho, e o do tio Raphael Rabello (1962-1995), um dos maiores violonistas brasileiros.

“São músicos excepcionais. Desde cedo, você acha que aquilo é normal”, diz João.

O show prova como os irmãos, hoje se aproximando dos 40 anos, estão distantes do tempo em que preferiam não ser conhecidos como “filhos do Paulinho da Viola”. João se formou em publicidade; Beatriz em jornalismo.

“Fui fazer faculdade como um esforço enorme para me distanciar [da referência ao pai]”, recorda ela. “Foi um movimento ‘não vou seguir esse caminho’. Paralelamente, estudava canto, piano e me apresentava em lugares estranhos. Eu escondia quase de mim mesma. Parecia que estava fazendo algo muito errado. Ele [Paulinho] era a última pessoa que eu queria que soubesse.”

“Quando você é jovem, fica fazendo esse esforço para se distanciar da influência do pai. Mais à frente, volta e compreende o quanto está relacionado àquilo e o quanto é importante para o que você faz”, afirma João.

Ao contrário do que César Faria teria lhe dito e ele registrou em “Catorze Anos” (“Sambista não tem valor nessa terra de doutor”), Paulinho nunca desestimulou os filhos. Quando percebeu que João tinha talento, encaminhou-o para aulas com o grande violonista Turíbio Santos.

Beatriz iniciou a carreira de atriz de musicais em 2008 com “Divina Elizeth”, sobre Elizeth Cardoso, e participou de outros espetáculos, como “Sassaricando” e “Zeca Pagodinho - Uma História de Amor ao Samba”. Fez coro em muitos shows do pai.

João toca com Paulinho, mas seu desejo é firmar uma carreira de solista. Lançou dois CDs com títulos retirados da obra paterna —“Roendo as Unhas” (2006) e “Uma Pausa de Mil Compassos” (2011)— e tem feito apresentações sozinho ou em trio, inclusive no exterior.

“Estou numa fase em que preciso sair da bolha, enfrentar a incerteza, tentar conquistar um público que ainda não me conhece. Mas os shows [do pai] são muito bons de se fazer. Dão sempre certo, têm sempre público, o público sempre gosta”, diz ele, justificando por que ainda não saiu da banda.

Esse medo da reação do público aflige os irmãos nesse projeto a dois, em que estarão bastante expostos, pois se trata apenas de voz e violão. As músicas de Paulinho, que conhecem tão bem, funcionam como porto seguro.

“Vínhamos conversando há muito tempo sobre fazer algo juntos. O ponto que a gente tem mais em comum e mais forte é a obra do nosso pai”, explica João.

Como escolher apenas 20 músicas de Paulinho para um show? Beatriz e João decidiram que seriam canções de amor. Depois, dividiram os sambas escolhidos em blocos: sobre amores perdidos; sobre a volta por cima após o sofrimento; sobre o nascimento de um novo amor.

Há canções menos conhecidas, casos de “Não Quero Você Assim”, “Deixa pra Lá” e “Depois de Tanto Amor”. Mas também há “Para Ver as Meninas”, “Dança da Solidão” e “Onde a Dor Não Tem Razão”. O objetivo é se aproximar das gravações originais, pois Paulinho alterou harmonias ao longo do tempo.

Ele diz que prefere compor isolado. Por isso, os filhos não têm a memória de ver o pai trabalhando em casa.

“Eu me lembro de ouvir violão à noite. Acho que, quando as crianças paravam de tacar fogo na casa, ele se concentrava”, conta Beatriz.

Paulinho tem sete filhos, sendo quatro (inclusive Beatriz e João) do casamento com Lila Rabello. Para ele, família e música são indissociáveis.

“Meu pai gravava muito, ensaiava muito, com o Jacob [do Bandolim] e outros. E eu assistia. Eu me lembro de ver no estúdio o [cantor] Roberto Silva gravando a série ‘Descendo o Morro’. Isso foi muito importante para mim.”

Ele tem voltado a compor. Mas acha difícil que saia em 2020 o ansiado novo disco —o último é de 2007, “Acústico MTV”. Um dos obstáculos, na sua visão, são os shows que fará na Europa. Será uma turnê curta, mas surpreendente, pois ele detesta sair do Brasil. Por enquanto, estão confirmadas apresentações no Porto (27/5), em Lisboa (29/5), Paris (4/6), Londres (8/6) e Berlim (10/6).

Ao Sambódromo carioca, Paulinho só planeja ir no Desfile das Campeãs, no sábado (29), para ver de camarote. Surpresas sempre acontecem, mas ele não pretendia sair na Portela, cujo desfile estava marcado para a madrugada desta segunda (24).

Nos 50 anos de “Portela – Passado de Glória”, disco histórico que produziu e que foi o lançamento da Velha Guarda da Portela como conjunto musical, ele diz não se sentir mais à vontade no ambiente das escolas de samba.

“Não é saudade, não tenho isso. Mas sinto falta de um ritmo mais cadenciado [nos sambas]. A vida muda, acelera. Eu me sinto meio estranho no ninho”, diz, também lamentando que tenham sobrado poucos portelenses do tempo em que frequentava a quadra. Monarco é uma exceção.

Coisas do Amor - Na canção de Paulinho da Viola

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