Paulinho da Viola conta como se tornou parceiro de Elton Medeiros

Elton tinha uma melodia brilhante, conta sambista em depoimento

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Depoimento de Paulinho da Viola a Lucas Nobile

Conheci Elton Medeiros por intermédio do Hermínio Bello de Carvalho, assim como conheci Cartola. O Hermínio um dia me falou: “Olha, tem um lugar aí, acho que você vai gostar”. Na época, eu trabalhava em um banco perto desse local, na rua da Carioca, onde ficava o Zicartola. Eu passei a sair do banco e ia para lá. 

Como eu já tocava um pouco de violão e tinha condição de acompanhar alguém cantando, imediatamente fui integrado ao grupo que ficava quase toda noite lá tocando com quem se apresentava e até com o próprio Cartola. Foi ali que eu e o Elton nos aproximamos.  

Logo depois, ainda em 1964, Zé Keti fez um disco e nos convidou para deixar uns sambas na 
[gravadora] Musidisc. 

Elton Medeiros (à esq.) batuca uma caixa de fósforos ao lado do parceiro de samba Paulinho da Viola
Elton Medeiros (à esq.) batuca uma caixa de fósforos ao lado do parceiro de samba Paulinho da Viola - Divulgação

Nós fizemos um pequeno ensaio para cada um mostrar um samba e o produtor gostou. “Vocês poderiam fazer um disco”, disse. Foi assim que nasceram os dois volumes do “Roda de Samba”, com o A Voz do Morro —conjunto do qual eu fazia parte com Elton, Zé Keti, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho, 
Nelson Sargento e Zé da Cruz.

Nessa época, eu ia muito a São Paulo por causa dos festivais —e o Elton também. Nós tínhamos um amigo em comum, o jornalista Arley Pereira. Ficamos tão próximos que nos considerávamos quase irmãos.

Foi ele quem mostrou várias coisas de São Paulo para a gente. Foi a primeira fase de contato com o Elton. Em 1969, participando de festivais, lancei, num compacto, “Foi um Rio que Passou em Minha Vida” e “Sinal Fechado” —com grande repercussão. Eu não tinha um grupo, me apresentava muitas vezes sozinho, às vezes com o conjunto do lugar onde eu ia tocar ou com a orquestra da televisão. Isso aconteceu muito em São Paulo. 

Depois comecei a ter muita solicitação para me apresentar e senti a necessidade de ter um grupo que me acompanhasse. Convidei o Elton, o Copinha (flauta), o Elizeu (ritmo), o Felix (que era um ritmista, mas neste grupo, tocava bateria), o Mestre Marçal (ritmo) e o Dininho (baixo), que até hoje toca comigo. Lembro que a gente começou num lugar chamado Bigode do Meu Tio, em Vila Isabel, no Rio. 

Assim, Elton e eu ficamos muito próximos. Minha primeira composição com ele [também assinada por Hermínio] foi “Rosa de Ouro”. Formamos Os 5 Crioulos [Elton, Nelson Sargento, Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro, além de Paulinho] para um espetáculo de grande sucesso, “Rosa de Ouro”, que contava também com Clementina de Jesus e Aracy Côrtes e resultou em dois discos. 

Elton e eu chegamos a ir até a Dacar, no Senegal, com a Clementina. Lembro de ter levado meu violão, mas não cheguei a tocá-lo —nós tocamos atabaques para acompanhar aquelas curimas que ela fazia.

Antes de me tornar parceiro do Elton, eu já tinha feito duas músicas com Hermínio, mas não gravei de imediato. Na primeira vez que nos encontramos, mostrei um samba que eu tinha feito, mas percebi que ele não se entusiasmou muito. Esse samba eu acabei até esquecendo. E ele me mostrou uma letra para a qual eu fiz uma valsa, gravada muitos anos depois pela Elizeth Cardoso. E outro samba, na mesma época da valsa, chamado “Duvide-o-dó”, foi gravado pela Isaurinha Garcia, por intermédio dele. 

Quando iniciei a compor com o Elton, ele já era parceiro de Cartola, de Hermínio, de Kleber Santos e de outros nomes da escola de samba da qual ele fazia parte, a Aprendizes de Lucas. Ele era mais velho e já mais experiente do que eu [Elton nasceu em 1930; Paulinho, em 1942]. Aprendi muita coisa ligada 
à escola de samba por meio dele.

Elton faz parte de uma geração dentro do samba que tinha muito cuidado com a questão da melodia. Assim como ele, havia outros como o Zé Keti, o Candeia, o Silas de Oliveira e a Dona Ivone Lara. Naquele período, os compositores tinham essa preocupação com a melodia, em fazer algo elaborado em termos melódicos e harmônicos. Com um detalhe muito importante: isso era feito para coro. Alguns sambas, como o pessoal chamava, eram sambas de terreiro, diferentes dos sambas de enredo. E alguns sambas de enredo eram muito elaborados em termos melódicos e harmônicos também. 

Elton fazia parte desse universo. Com o passar do tempo, ele foi se aprimorando, não só pela convivência com outros, mas pelo próprio talento, pela própria criatividade. 

Ele contava que chegou a estudar música. Às vezes fazia composições usando um cavaquinho, mas não era um cavaquinista, era um melodista, como a gente chamava. Elton tinha uma melodia elaborada. Se você não tivesse alguma experiência de percepção, não conseguia acompanhar o samba dele. 

Lembro-me que ele me passou um samba chamado “Fotos e Fatos”, na praça Tiradentes. Era uma parceria com o Otávio de Morais, arquiteto e grande letrista. Ele cantou pra mim e eu guardei a melodia. Fiquei depois em casa pensando para onde ele queria ir com aquelas modulações, com aquelas variações. Quando eu mostrei, ele falou: “Era isso mesmo, minha intenção era essa aí mesmo”. É essa coisa brilhante da melodia do Elton, reconhecida em inúmeros sambas não só comigo, mas também com outros parceiros que ele teve.

Quando um autor faz uma coisa assim, está implícito no sentimento dele também um desenho harmônico que muitas vezes não é detectado por quem vai acompanhar. Ele fazia um desenho melódico e aquilo ia tomando um rumo. Quando você voltava para reconsiderar aquilo, ele fazia outra coisa, às vezes não era nem uma variação sobre aquela harmonia, já era outro desenho harmônico, todo diferente. Essa era a criatividade dele, eu acompanhei isso muitas vezes: você estava com a harmonia elaborada, 
de repente ele ia para outro lado.

Nesse sentido, você não pode deixar de considerar a influência do choro. Isso vale para o Elton, para Dona Ivone e para outros compositores. 

Nesse universo do choro, existe a preocupação com o refinamento em termos harmônicos e melódicos. 
Essa fonte ajudou muito no meu trabalho também. Minha formação básica é mais do choro —e isso é 
uma coisa que marca. Além do choro, Elton conhecia muito sobre ranchos carnavalescos e gafieira.

Em 1966, a gente lançou o “Samba na Madrugada”, pela RGE. Esse disco foi muito importante. Foi, na verdade, a primeira vez em que eu dividia o trabalho com uma outra pessoa. Só depois é que vim a fazer 
um disco solo, em 1968, na Odeon. 

“Samba na Madrugada” foi uma surpresa. Nessa época, a gente estava acompanhando a Clementina, ela tinha feito um show numa boate  no Rio chamada Porão 73 [quarta-feira, noite de 30 de março de 1966], que ficava na avenida Nossa Senhora de Copacabana. E nós é que a acompanhávamos; eu de violão, o Elton fazendo ritmo. A foto da capa de “Samba na Madrugada” foi feita ali.

Nesse álbum, curiosamente, a única parceria minha com o Elton [e com Hermínio] é “Rosa de Ouro”. 

As outras músicas que gravamos são composições só minhas (como “Arvoredo”, “14 Anos”, “Jurar com Lágrimas”); minhas com outros parceiros, como Candeia (“Minhas Madrugadas”) e Casquinha (“Recado”); composições só do Elton (como “Minha Confissão”, “Sol da Manhã”); e parcerias do Elton com outros, como Cartola (“Sofreguidão”, “O Sol Nascerá”), Zé Keti (“Mascarada”) e Mauro Duarte (“Maioria sem Nenhum”).

Sobre nosso processo de composição, não me lembro de a gente ter sentado para fazer um samba e ter saído algo pronto. Normalmente não era assim. 

Ele me mandava uma melodia numa fita cassete. Quando o Elton julgava que aquela ainda era uma primeira versão e que ele ainda pretendia burilar a melodia, ele me dizia: “Estou te mandando um monstro”. 

Eu sempre tive dificuldade de fazer uma letra em cima de uma melodia. Eu sou mais um melodista, mas eu fazia com o Elton e fiz duas vezes com o [Eduardo] Gudin. Isso aconteceu com um samba nosso, chamado “Estamos Noutra”. O Elton estava finalizando a gravação de um LP e me ligava dizendo: 
“E aí, rapaz, como é que é? Não vai dar tempo de entrar no disco”.

Nossa parceria rendeu algumas composições de grande sucesso. Entre elas, “Onde a Dor Não Tem Razão”, “Recomeçar”, “Ame”, “Moema Morenou” e “Sentimento Perdido”. De todas, gosto muito de 
“Pra Fugir da Saudade” [gravada no disco “A Toda Hora Rola uma Estória”, de 1982] e de uma outra chamada “Dívidas” [lançada em 1976 no álbum “Memórias Cantando”, de Paulinho], que tem uma melodia complicada pra caramba.

Olha, definitivamente, o Elton tinha essa coisa brilhante da melodia.
 

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