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Filme 'O Jovem Ahmed' tende ao maniqueísmo, mas merece ser visto e debatido

Longa dos irmãos Dardenne aborda de maneira complexa a entrada de um garoto no fanatismo islâmico

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O Jovem Ahmed

  • Quando Estreia nesta quinta (20)
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Idir Ben Addi, Olivier Bonnaud, Myriem Akheddiou
  • Produção França/Bélgica, 2019
  • Direção Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne

Autores de filmes premiados, como "Rosetta" (1999) e "A Criança" (2005), os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne seguem um método de certo modo constante ao longo dos anos. Das narrativas construídas pelos realizadores belgas, costuma-se dizer que em geral não dão lugar para o maniqueísmo.

De fato, as tragédias e dramas levados às telas pela dupla são menos obra de um sistema perverso ou da maldade encarnada num ou noutro protagonista do que de tensões que surgem no encontro, sempre complexo, entre forças internas e externas agindo sobre os personagens.

Com "O Jovem Ahmed", que estreou no último festival de Cannes, esse esquema se altera. O personagem-título é um garoto belga de 13 anos que, seguidor do imã de seu bairro, torna-se um fanático religioso. Briga com a mãe, a seus olhos uma "má muçulmana", pois não cobre o rosto e eventualmente bebe vinho. E vê em Ignès (Myriem Akheddiou), sua professora de árabe, a encarnação do mal: ela também não usa véu e ensina um idioma que vai além do Corão.

Os irmãos Dardenne mantêm ao longo do filme um domínio do suspense e da tensão. A história, complexa, é primorosamente contada. Interpretado pelo excelente Idir Ben Addi, Ahmed efetuará, num ponto de virada esperado, seu ato jihadista: tentará matar a professora.

Até aí, o filme não julga seus personagens. É possível entender a devoção ingênua do garoto a um islamismo radicalizado, superando inclusive os posicionamentos de seu líder religioso.

Depois do crime, Ahmed é enviado para um reformatório e nesse ponto algo se esgarça na narrativa. O educador que o acolhe transborda humanidade e confiança; todos os ambientes da instituição são limpos e apropriados para a recuperação do menino. A psicóloga que o atende parece, ao menos à primeira vista, adequada.

Em resumo: sobra bondade na equipe encontrada no reformatório —e, depois, na pequena fazenda onde Ahmed fará um trabalho de reinserção, descobrindo, ali, seu primeiro amor, uma garota encantadora. Diante disso, voltar a praticar um ato de fanatismo significaria uma traição a todos aqueles que confiaram nele.

Difícil, portanto, fugir de uma moral próxima de "se optar pela violência, é porque não tem mesmo recuperação".

À recusa do maniqueísmo de início, sobrevém, na segunda metade do filme, o olhar para um personagem desviante, como se detivesse o monopólio da maldade. A maneira como o mundo lhe sorri é, no mais, pouco verossímil.

Em que pese a proximidade dos atentados ocorridos na França e na Bélgica entre 2015 e 2016, e a inconformidade diante de atos tão terríveis, a distribuição de papeis em "O Jovem Ahmed" parece fragilmente lastreada numa realidade europeia feita de preconceitos, tabus e exclusão.

É preciso, ainda, questionar a maneira como o filme poderia interferir nesse cenário. Para essa pergunta, não há resposta fácil. Mas talvez apesar dela, ou mesmo por causa dela, o filme merece ser visto —e, sobretudo, debatido.

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