Descrição de chapéu

José de Abreu tenta desconstruir imagem 'do bem' de Regina Duarte contra plano bolsonarista

Puxar a intimidade da atriz para as redes sociais, porém, ultrapassou os limites que sua audiência considera como justos

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Mario Aquino Alves
São Paulo

Uma das mais recentes “tretas” do Twitter envolveu o ator José de Abreu e a atriz Regina Duarte. Desde que ela foi convidada para ocupar a Secretaria Especial da Cultura, ele tem usado sua conta da plataforma de maneira provocativa contra a atriz.

Colocando-se à esquerda e referindo-se ao governo e seus apoiadores como fascistas, o ator tem marcado sua atuação nas redes sociais em estado de polêmica permanente, trazendo para si um protagonismo que ora pende para a admiração, em especial por aqueles que se identificam com a esquerda, ora para execração, sobretudo por indivíduos famosos e anônimos que se identificam com a direita e com o apoio ao governo Bolsonaro.

Nesta polêmica, porém, muitas pessoas de esquerda passaram a criticar o tipo de ataque que Abreu fez a Regina Duarte, por ter sido, segundo as críticas, machista e misógino, igualando-o ao governo que pretende criticar.

O episódio é bastante útil para compreender como esse tipo de interação discursiva se insere em um contexto maior, no qual outros discursos e narrativas estão balizando o debate público contemporâneo.

Para analisar um discurso, devemos ir além do seu conteúdo e considerar o gênero discursivo em que é enunciado, ou seja, o conjunto de regras de estilo e uso da linguagem empregado para passar uma mensagem. Assim, não falamos do mesmo jeito em um jogo de futebol, em uma situação de família ou em um tribunal. Nos estudos de linguagem falamos, portanto, no gênero literário, no gênero jurídico, no gênero jornalístico, no gênero acadêmico, entre outros.

Anne-Marie Paveau afirma que o Twitter é um tecnogênero discursivo. Suas mensagens seguem padrões que extrapolam o conteúdo linguístico, incorporando elementos tecnológicos: as telas (de um computador ou do celular); a "timeline"; os avatares; as imagens; os fios (threads); os links; os botões de like, retweet e resposta; as arrobas (@) e as hashtags (#); os algoritmos e os robôs (bots).

O Twitter é diferente das outras redes sociais, como o Facebook e o Instagram por exemplo. Na maioria dos casos, não se pede permissão para seguir alguém, com exceção das contas protegidas. Celebridades mantêm suas contas abertas para aumentar a influência. É um gênero discursivo informal. Um anônimo pode interagir diretamente com uma celebridade por meio da hashtag ou da @, o que privilegia mais a emoção do que o conteúdo.

A trollagem ocorre de maneira forte no Twitter. Rodrigo Nunes bem afirmou que a “trollagem” é uma estratégia da extrema direita e, consequentemente, constitutiva do discurso bolsonarista que, nesse instante, consegue dominar e pautar a esfera pública.

No Twitter, assim como lutadores de luta-livre circense analisados por Roland Barthes em "Mitologias", a função do polemista não é meramente ganhar um debate, mas executar o papel que se espera dele. As @s procuram mobilizar o sentimento de indignação da audiência para executarem uma justiça vingativa por meio da “lacração” ou do “cancelamento”.

Usar a atriz —ligada ao “bem”, por conta da interpretação das várias heroínas televisivas— para substituir o secretário caricatura de dirigente nazista –personificação do “mal”— foi uma estratégia discursivo-política astuta do governo Bolsonaro.

Em seus primeiros movimentos, Regina Duarte procurou falar em valores cristãos e criticar, por meio de uma indicação de vídeo em seu Instagram, o “marxismo cultural”. Alinhamento total ao discurso bolsonarista.

José de Abreu percebeu o potencial simbólico da troca na Secretaria Especial da Cultura e, pelo Twitter, procurou justamente “desconstruir” a imagem “do bem” da atriz. Enquanto a discussão se fazia no campo das irregularidades no uso da lei Rouanet ou mesmo na má performance artística, se alinhava com as expectativas da audiência.

Puxar a intimidade da atriz para o Twitter, porém, ultrapassou os limites que a sua própria audiência considera como justos. A treta deu ruim.

Mario Aquino Alves é professor de administração pública e análise do discurso da FGV EAESP.

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