Musa dos consagrados Andrzej Wajda —em “O Homem de Mármore”, “O Maestro”— e István Szabó —“Mephisto”—, a atriz Krystyna Janda consolida uma das personagens femininas mais complexas da temporada cinematográfica com sua vulcânica encarnação da poeta Maria Linde, protagonista do drama polonês “Doce Entardecer na Toscana”. A atuação lhe valeu o prêmio de melhor atriz no Festival Sundance do ano passado.
O título bucólico do filme de Jacek Borcuch, de “Tudo o que Amo”, de 2009, é o primeiro sinal enganador de uma paz aparente. O cenário da história são os arredores de Volterra, na verdejante Toscana, onde a escritora judia e polonesa há muito se autoexilou, escapando aos rigores de uma Polônia comunista, anos depois de ter fugido uma primeira vez, ainda criança, do domínio nazista.
Todo esse passado de Maria não é imediatamente disponível, testemunhando-se primeiro a vitalidade incandescente desta mulher sexagenária, que se recusa a se reprimir por causa das expectativas, tanto sociais, quanto de sua própria família, num momento em que ela atinge a máxima celebridade depois de vencer o prêmio Nobel de literatura.
Figura brutalmente honesta, Maria reúne em torno de si uma trupe encantada com sua luz própria, quase como se ela condensasse em si mesma a intensa feminilidade de todas as protagonistas de “Gritos e Sussurros”, de 1972, de Ingmar Bergman. Giram em torno de Maria o marido Antonio (Antonio Catania), a filha Anna (Kasia Smutniak), os netos Elena (MiIla Borcuch) e Salvatore (Wiktor Benicki), que parecem se apagar para servir à poeta.
O equilíbrio familiar ganha um agregado em Nazeer (Lorenzo de Moor), jovem comerciante egípcio que fornece mercadorias à família e mantém um relacionamento secreto com Maria. Nazeer funciona como catalisador não só da sensualidade dela como materializa uma discussão sobre xenofobia que impregna os acontecimentos.
A polícia adverte a família de Maria sobre a presença de refugiados, mas a única face não europeia que aparece nitidamente é Nazeer, cuja história, infelizmente, não é muito explorada no roteiro, assinado por Borcuch, Marcin Cecko e Szczepan Twardoch.
Uma preocupação mais polêmica é discutir o individualismo exacerbado de Maria, que se ressente da hipocrisia de uma Europa que vilaniza os refugiados ao mesmo tempo que se pretende o berço da civilização. A explosão dela contra esse estado de coisas num evento em sua homenagem, ocorrido logo após um atentado terrorista, desmonta a zona de conforto da poea, cuja sinceridade não é compreendida num mundo em que as palavras têm mais poder de fogo do que bombas quando desabam nas redes sociais.
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