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Confira lista perfeita para orquestras praticarem o distanciamento social

Em meio à pandemia do novo coronavírus, concertos se preparam para retornar atividades e precisarão seguir regras

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The New York Times

A “Sinfonia dos Mil”, de Mahler, talvez não seja uma boa ideia. “Gurrelieder”, de Schönberg, que requer 150 instrumentistas e ainda mais cantores? Idem.

Boa parte da atenção vem sendo dedicada ao tamanho e densidade das plateias, na retomada das apresentações de artes cênicas, já que a pandemia do coronavírus continua. Mas as orquestras sinfônicas não lotam apenas os auditórios, mas também os palcos. Se devemos continuar promovendo concertos sem desrespeitar as normas de distanciamento social, eles terão de incluir não só menos ouvintes como menos músicos.

E o que esses conjuntos reduzidos de instrumentos tocarão? As obras mais conhecidas do repertório de música de câmara, com certeza: a versão original de “Appalachian Spring”, de Aaron Copland, para 13 instrumentistas; peças para conjuntos de cordas como o “Adágio”, de Barber, e a “Serenata” de Tchaicovsky; e os concertos de Brandemburgo, de Bach.

Mas e quanto a um repertório mais variado? A Schott/EAM, uma editora de partituras de compositores contemporâneos, recentemente postou uma lista inspiradora de peças de seu catálogo, apropriadas para a era do distanciamento social. A Universal Edition ofereceu uma seleção intrigante de óperas e sinfonias em versões reduzidas.

Representantes de diversas orquestras inovadoras do gênero bateram um papo sobre repertório, numa mesa redonda, em uma live transmitida em junho. Seguimos esse exemplo e oferecemos abaixo nossa lista de sugestões, contendo composições do passado e contemporâneas.

Os critérios de tamanho que adotamos são vagos, porque as regras de saúde a ser adotadas com relação à música também não estão bem definidas. Mas presumimos que, com uma separação de dois metros entre os músicos das seções de cordas —e ainda maior para os metais e madeiras—, a orquestra distanciada hipotética que estaríamos contemplando não poderia ter mais de 40 integrantes. (Minha seleção pessoal seria a reluzente “Éclat”, de Pierre Boulez, que requer apenas 15 instrumentistas.)

Pode ser otimismo excessivo imaginar que os concertos serão retomados com toda força, ainda que com distanciamento e orquestras reduzidas, pelo menos entre as organizações de música erudita dos Estados Unidos, às quais falta o nível de verbas governamentais que costuma ser visto na Europa.

No mês passado, a Orquestra Sinfônica de Nashville anunciou que todas as suas apresentações estavam canceladas até julho; e ela provavelmente não será a última orquestra a cancelar toda uma temporada.

Mas as orquestras que conseguirem produzir amostras de música nos próximos meses fariam bem em aproveitar essas ocasiões como oportunidades para aprofundar e diversificar seu repertório, e não para oferecer uma simples prova de sobrevivência.

Ethel Smyth: 'Serenade in D'

O velho argumento de que as orquestras não podem correr riscos em sua programação por medo de perder vendas de ingressos faz ainda menos sentido se considerarmos a redução na lotação permitida das salas de espetáculos e o desespero das audiências por ouvir música ao vivo.

Portanto, chegou a hora de retificar a deficiência. Entra em cena Ethel Smyth, a sufragista e compositora britânica que lamentavelmente foi a única mulher a ter peças executadas pela Metropolitan Opera de Nova York antes de 2016.

“Serenade in D”, de 1890, exibe vigor notável nos movimentos externos, contrabalançado por charme e leveza nos trechos intermediários.

Julius Eastman: 'The Holy Presence of Joan of Arc'

Minimalismo, harmonias expressionistas e energia digna do punk rock se unem com efeito altamente combustível nessa peça de alta octanagem para dez violoncelos. Eles começam em uníssono, estabelecendo um ritmo propulsivo que pulsa urgentemente durante os 20 minutos do espetáculo. Vozes individuais surgem para expressar anseios e, em alguns momentos, angústias, enquanto a textura se torna mais e mais complexa, insistente e feroz.

Mozart: 'Notturno for Four Orchestras'

Se o quociente de cordas for mantido baixo, é possível tocar a maior parte da música de Mozart para conjuntos respeitando as normas do distanciamento, mas nessa peça a distância é uma parte inerente da estrutura. Ele claramente pretendia que as quatro seções de cordas, cada qual com a ajuda de dois metais, se posicionassem separadamente e brincou com esse espaço no aproveitamento de ecos e de frases musicais sobrepostas.

Como muitas das serenatas e dos “divertimentos” que Mozart criou para acompanhar os eventos sociais de Salzburgo, a obra é uma alegria sem limites.

Heinrich Ignaz Franz Biber: 'Battalia'

Ousada, ruidosa e conflituosa, a peça de batalha que Biber compôs para dez instrumentistas em 1763 foi sempre uma das joias da música barroca. Com grupos de músicos se defrontando como combatentes, a composição também se presta confortavelmente ao distanciamento cênico.

Os oito curtos movimentos da peça delineiam situações marciais em pinceladas confiantes, com o tempero de efeitos especiais como a execução de oito canções militares tocadas em sete tons distintos.

Alvin Singleton: 'Again'

Essa peça para 14 músicos composta em 1979 é mais opulenta do que seus modestos requisitos instrumentais indicam. Sopros, metais, cordas, piano e percussão se alternam entre motivos loquazes mas expressos com suavidade —até que Singleton comece a pontuar essa névoa com solos sinuosos ou erupções dramáticas. (Ouça o trompete disparando rumo ao topo das texturas do grupo na marca dos seis minutos e meio da gravação pela Sinfonietta de Londres.)

O trabalho de Singleton para orquestras não é executado com frequência suficiente, e essa obra poderia servir para pôr sua voz em circulação mais frequente.

Olga Neuwirth: 'Lost Highway Suite'

A peça é uma adaptação de uma adaptação, extraída de “Lost Highway”, ópera que Neuwirth compôs em 2003 com base no filme de David Lynch. Das três versões, esta é a mais destilada, para uma história enigmática e sombria.

Arranjada para seis solistas e um conjunto de acompanhantes, e incorporando processamento eletrônico ao vivo, a peça conjura toda uma feira de sons —alguns como que baladas fantasmagóricas, e outros em clima “noir”— que reluzem temporariamente como placas de estrada pelas quais alguém passe em seu carro no meio da noite.

Schönberg: 'Chamber Symphony No. 1'

Com apenas 21 minutos de duração e tocada sem pausas, a irrequieta “Chamber Symphony No. 1” de Schönberg, de 1906, funciona como uma espécie de versão de alta compressão para uma sinfonia tradicional de cinco movimentos.

A linguagem harmônica se apega à riqueza do romantismo tardio mas com algumas indicações iniciais de atonalidade. Arranjada para apenas 15 instrumentos, essa peça de textura rica pode se beneficiar de uma execução na qual os músicos estejam um tanto separados, para que o espectador possa de fato ouvir as intrincadas melodias individuais, que costumam se empilhar.

Kurt Weill: 'Concerto para Violino e Orquestra de Sopros'

Qualquer peça composta por Kurt Weill na década de 1920 provavelmente se encaixaria nesta lista.

Weill era um grande orquestrador, e os arranjos para seus trabalhos incorporavam apenas os instrumentos que ele considerava necessários, nada mais, nada menos. Seu concerto para violino, composto em 1924 e exibindo a reverência habitual de um jovem compositor a Mahler e Stravinsky, cerca o solista de um pequeno conjunto de sopros, percussão e baixo. Encontrar o balanço sonoro não é fácil, mas, quando ele surge, a música ecoa com um tom de inevitabilidade.

Strauss: 'Metamorphosen'

Richard Strauss tinha 81 anos e a Europa estava em ruínas em março de 1945, quando ele começou a trabalhar em “Metamorphosen”, uma peça feroz e elegíaca. Composta para 23 instrumentos de cordas, a obra gerou muitas interpretações.

Seria um memorial para uma cultura perdida de forma irrecuperável? Uma crítica à guerra? O mea culpa de uma testemunha silenciosa dos crimes do nazismo? O que é certo é que a música mergulha o ouvinte em uma teia de complicada beleza.

Anthony Braxton: 'Composition No. 147'

Quando um grupo de instrumentistas dedica tempo a aprender a linguagem desse compositor —que incorpora tanto notação musical tradicional quanto improvisos—, suas partituras complexas podem ser tocadas mesmo sem a participação do autor. Nessa composição de 1989, para 29 instrumentistas, os clarinetes expressam a empolgação de Braxton pelos instrumentos de palheta, que ele toca. Enquanto isso, a oscilação das partes compostas para a seções de cordas —repetitiva por um instante, e em marcha rápida no seguinte— revela a movimentação ágil de Braxton entre o mistério e a fantasia.

Wagner: 'Siegfried Idyll'

Wagner escreveu “Siegfried Idyll” como presente de aniversário para sua mulher, Cosima, depois do nascimento do filho do casal, Siegfried. Arranjada para 13 instrumentistas, a peça foi executada pela primeira vez na manhã do Natal de 1870, com os músicos posicionados na escadaria da casa do compositor em Lucerna, na Suíça, para acordar Cosima em seu quarto.

Temas da peça terminaram por ser usados em “Siegfried”, de Wagner, e embora ele mais tarde tenha composto uma versão orquestral do “Idyll”, o original tinha uma beleza lúcida.

Haydn: Symphony No. 45, ‘Farewell'

Conseguir que os músicos cheguem e saiam do palco em segurança enquanto respeitam os protocolos de distanciamento social é um desafio complicado. Mas o final desta obra, de Haydn, traz uma solução incorporada à peça.

Durante a longa seção final, Haydn, que sempre foi chegado a uma brincadeira musical, instrui determinados músicos a parar de tocar e a deixar o palco, um a um, até que só reste o primeiro violinista.

Tradução de Paulo Migliacci

Zachary Woolfe , David Allen , Corinna Fonseca-Wollheim e Seth Colter Walls
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