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'Druk' disputa o Oscar com litros de álcool a afogar vida boa e doída

Favorito ao troféu de filme internacional foge do moralismo ao falar de bebida, mas não passa de certo sensacionalismo

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Druk

É nos fatos hiperbólicos que Thomas Vinterberg gosta de situar seus filmes, desde os tempos do movimento Dogma. São fatos raros, porém reveladores da natureza dos homens, hipócritas, insensíveis, não raro monstruosos –em sua visão. Em “Druk”, isso não é tão diferente.

Aqui, temos no centro das coisas Martin, vivido por Mads Mikkelsen, um professor de meia-idade e deprimido, sem estímulo nem para dar aulas. O pouco caso de seus alunos corresponde ao desprezo de sua mulher.

Quando tudo parece prestes a desmoronar na vida de Martin, um outro professor, seu colega na escola, descobre a estranha teoria de um pensador norueguês segundo a qual os homens nascem com 0,05% a menos de álcool no sangue. Ele propõe aos colegas mais próximos, um grupo de quatro, fazer a experiência –tomar uns goles antes da aula.

Martin resiste, como se sua depressão fosse uma segunda natureza, mas logo cede e toma um gole antes de ministrar uma aula. Os resultados são, no mínimo, fantásticos. De uma hora para outra, o professor até ali burocrático ganha nova vida e se torna capaz de interessar os alunos, de lecionar.

Em casa, as coisas não são muito diferentes. Em pouco tempo, a mulher nota o aparecimento de um novo Martin, ou antes, agora Martin se parece com aquele que ela conheceu anos atrás, em sua juventude.

Mas o elo central da vida de Martin agora são os três colegas com quem divide o segredo da nova e magnífica vida, com quem estabelece forte cumplicidade. Os drinques se sucedem. A experiência bem-sucedida se aprofunda, as doses vão aumentando.

Creditemos a Vinterberg a capacidade de criar certa tensão a respeito do destino de Martin –até onde ele embarcará nessa viagem, já que visivelmente o aumento das doses começa a provocar alterações bem menos desejáveis do que aquelas do início. A solução disso é o que veremos na segunda parte do filme.

Digamos, sem revelar o final, que Vinterberg se mantém distante da abordagem moralista da bebida que marcou o cinema americano durante certo tempo. Sua questão parece ser outra, recorrente em seus filmes. Quem somos nós, os humanos? Em “Druk”, a presença ou ausência de bebida na vida das pessoas parece assinalar uma dupla natureza no humano. O álcool, ou qualquer outra substância pode nos transformar. Não importa se a mudança é para melhor ou pior, o importante é que exista.

O homem sofre de uma fragilidade essencial, que não diz respeito à psicologia, portanto ao individual, nem à sociedade (estamos na paradisíaca Dinamarca, não esquecer), mas a sua própria constituição neurológica.

Teria isso algo a ver com as lamentáveis reações dos cidadãos que em “A Caça”, por exemplo, viravam as costas aos fatos para condenar um professor acusado injustamente de molestar uma criança? Estamos na circunstância oposta, mas a fragilidade é a mesma. Talvez com uns goles a mais aqueles bons cidadãos fossem capazes de pôr a verdade acima de suas convicções e, sobretudo, do desejo de causar dano a outra pessoa. Mas, se tomassem esses goles a mais, aonde iriam parar?

É uma questão, sem dúvida. Mas vamos convir que o humano propõe outras mais urgentes. A vantagem dessa que o autor propõe é proporcionar algum sensacionalismo, o que sempre é bom para chamar a atenção, mas não tão mais do que isso.

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