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'Druk' exala cheiro de álcool, seja com vodca no gargalo ou champanhe

Ladeira se inclina para o precipício no dia em que protagonistas preparam sazeracs, coquetel com uísque e absinto

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Daniel de Mesquita Benevides
São Paulo

Thomas Vinterberg é o mais fiel diretor do Dogma. O mais consistente também, ainda que Lars von Trier tenha muitos momentos de genialidade.

Seu novo longa, "Druk", indicado ao Oscar de filme estrangeiro e de melhor direção, segue uma bela linhagem que vai de "Festa de Família" a "A Caça". É a um só tempo uma ode à embriaguez e um retrato existencial do efeito rebote.

Como os personagens bebem industrialmente, a dogmática câmera no ombro faz bem a função de recriar o mundo cambaleante em que vivem. A falta de filtros e efeitos também reforça o realismo, dando espaço para que o cheiro do álcool de alguma forma exale da tela.

A premissa é divertida. Quatro professores decidem seguir à risca a recomendação do psiquiatra norueguês Finn Skarderud, para quem beber é uma atitude sensata, que enriquece a criatividade e aumenta a autoconfiança. Mas da teoria à prática existe um salto, e, para alguns, um salto no vazio.

A teoria –Skarderud considera que nascemos com um déficit de 0,05% de álcool no sangue e que o melhor a fazer é chegar a essa marca e a manter. Isso equivale a uma ou duas taças de vinho por dia.

O quarteto passa a beber em horário comercial, o que implica dar aulas na alegre porcentagem requerida. O esforço empírico de coletar evidências segue a suposta agenda de Hemingway. Ele teria dito que parava de beber às oito da noite para conseguir escrever no dia seguinte. O experimento dos professores, portanto, vai do café da manhã ao jantar, uma mão na taça, outra no relógio.

A ideia é tornar o cotidiano mais estimulante. Com sua dose etílica diária, o professor de história, vivido magnificamente por Mads Mikkelsen, consegue transformar sua morosidade habitual em euforia, despertando o interesse dos alunos que normalmente estariam dormindo ou olhando os celulares.

O professor de música faz o coro dos estudantes sair da mediocridade para atingir as sublimes harmonias celestes. Já o responsável pela educação física faz o menorzinho de óculos, alvo do bullying geral, virar artilheiro do time. E o mestre de psicologia traduz o conceito de angústia de Kierkgaard, filósofo símbolo da Dinamarca, onde se passa o filme, de forma atraente para os alunos.

Sim, o álcool é capaz de mágica. Mas os inebriantes efeitos, até ali bem-sucedidos, empolgam os quatro amigos a ponto de eles não enxergarem a parede à frente. Eles, que medem diariamente seus desempenhos com bafômetros, resolvem subir o sarrafo. E aí o tombo é maior.

Esquecem que a fala de Hemingway foi outra. "Eu nunca bebo para escrever. Quem faz isso de vez em quando é o Faulkner, e eu sei dizer exatamente em que frase ele tomou a primeira dose."

Esquecem que o excesso pode ser libertador, mas tem preço. Depois de um começo tomando Imperia, a vodca russa que "poria um sorriso no rosto do czar", e os melhores vinhos e champanhes franceses, passam a beber uma vodca rotineira no gargalo de garrafas d'água, para não dar na cara.

A ladeira se inclina para o precipício no dia em que preparam sazeracs, coquetel de Nova Orleans, safra século 19, que leva uísque de centeio e um toque de absinto. Deliciosa bomba, capaz de embriagar até o touro Hemingway, que, longe da Remington, bebia formidavelmente, sem freios teóricos.

Tomam um, dois, três, até que os números não importam mais. Nada importa mais. A overdose está anunciada. E eles seguem alegremente a esse ponto de não retorno, dançando ao som de "Cissy Strut", dos Meters. A noite é uma criança desgovernada.

O tom do filme é de comédia dramática. Os sorrisos que inspira são hesitantes, há tensão subliminar em cada quadro. Sabemos que existe uma plantação de jacas a ser pisada. O estrago é certo. O que não sabemos ainda é a extensão do estrago.

Moralista, não no sentido conservador, mas no sentido de pensar os aspectos complexos que conduzem nossas ações, o filme deixa uma questão. Beber num grau moderado faz bem para a vida? Ou mais longe, a vida é inevitavelmente tediosa a ponto de precisarmos de paraísos artificiais?

Baudelaire e outros poetizaram um poderoso sim. "Druk – Mais uma Rodada" parece sugerir o mesmo, inclusive quando estamos escrevendo.

Druk - Mais uma Rodada

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