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Pai do cyberpunk traça duas visões do amanhã em 'Os Periféricos'

Autor de 'Neuromancer', William Gibson explora em novo livro uma forma de viagem no tempo em que futuros se conectam

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Luiza Crosman

Periféricos

  • Preço R$ 69,90 (520 págs.)
  • Autor William Gibson
  • Editora Aleph
  • Tradução Ludmila Hashimoto

"Os Periféricos" é o mais recente livro de ficção científica traduzido para o português do aclamado autor de "Neuromancer", William Gibson. Considerado um dos pais do gênero cyberpunk, Gibson explora neste novo livro uma forma de viagem no tempo pela qual dois futuros se conectam.

Flynne é uma jovem que vive em um condado americano, num futuro um pouco adiante do nosso, no qual a principal força dos Estados Unidos é a Homes —antiga Homeland Security— que busca principalmente apreender os “construtores” de drogas.

O condado de Flynne é habitado por veteranos de guerra, uma seita de fanáticos religiosos e trabalhadores em subempregos nas grandes redes comerciais, como as evoluções da Walmart, fazendo impressões 3D clandestinas de novas tecnologias ou na economia de videogames.

Homem de óculos e camisa listrada posa com o rosto sério e com cidade ao fundo
O autor William Gibson em registro de 2007, em Nova York - Andrew Burton/Bloomberg News

Ao substituir o irmão como segurança no que ela acredita que é apenas um jogo, Flynne testemunha um assassinato. Seu testemunho se torna a chave central para conter uma conspiração imobiliária e econômica no futuro, o que a põe em risco junto de sua família.

Porém, esse futuro não é o que o presente de Flynne se tornará no futuro. Gibson explora uma viagem no tempo que escapa dos tradicionais paradoxos temporais ao a conceber como uma nova linha temporal que se estabelece a partir do momento do contato com o passado. Mesmo compartilhando um mesmo passado, por causa do contato, os futuros divergem, criando o que o autor chama de um “toco" nos “contínuos”.

O mecanismo, que lembra a operação de forking usada no blockchain para criar uma segunda linha temporal paralela para as transações que compartilham um mesmo histórico, é acionado pela Milagros Coldiron, empresa de fachada de Lev Zubov, um bilionário russo que manipula os contínuos como hobby, e é possível graças a um servidor misterioso e a utilização dos periféricos —ciborgues de alta funcionalidade, alguns de aparência humana, outros robóticos ou mortíferos. Flynne passa então a visitar o futuro por meio de um periférico para ajudar a resolver o assassinato.

É a partir dessa premissa que Gibson explora temas intrinsecamente humanos como afetos familiares, redes de corrupção e uma certa nostalgia por tempos que não vivemos.

Este último aparece principalmente a partir de Wilf Netherton, o personagem pelo qual, além de Flynne, acompanhamos o desenrolar da história. Wilf é um agente de relações públicas, alcoólatra e cronicamente insatisfeito com o seu presente, isto é, o início do século 22 e 70 anos após o presente de Flynne —um mundo no qual 80% da população humana morreu devido ao que o autor chama de a “Sorte Grande”, um período de mudanças climáticas, doenças, extinção em massa e avanços tecnológicos, os quais, no entanto, não foram capazes de reverter as diversas crises, apenas tornando possível a humanidade se reconfigurar em uma sociedade extremamente estratificada.

Wilf, Lev e os outros personagens desse futuro vivem em uma Londres praticamente inabitada, comandada por oligarquias neomonárquicas —chamadas de “cleptos”. Há uma enorme melancolia em um mundo tecnologicamente avançado, porém vazio. O futuro de Wilf é uma forma de alerta para o presente de Flynne.

A trama se desenrola de maneira instável. Às vezes muito densa com descrições confusas, às vezes com momentos previsíveis e sem emoção, alternando entre os futuros e pontos de vista de Flynne e Wilf a cada capítulo.

As estruturas política e econômica de cada tempo, e como elas interagem a partir do contato, por exemplo, é sinalizada em alguns momentos, porém, não se torna muito clara. Através de Macon —um dos impressores 3D do tempo de Flynne— entendemos que a principal forma de atuação do futuro sobre o passado é por meio de instrumentos financeiros de investimento, que passam a interferir no jogo político de influências e poder, não só local mas também global, possibilitando à Milagros Coldiron, num primeiro momento, prover a segurança necessária para Flynne, sua família e amigos e, depois, ao fim da trama, aparentemente os deixar numa posição de poder a fim de evitar a "Sorte Grande".

O livro, no entanto, é bem-sucedido ao conseguir traçar não só uma, mas duas visões de futuro que, por mais tecnologicamente sci-fi que sejam, se mostram extremamente imaginativas na sua possível proximidade com o que pode vir a ser o nosso futuro se não modificarmos a forma com a qual lidamos com as crises que vem acontecendo em nosso próprio "toco".

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