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'La Chimera' ostenta talento de Rohrwacher em fantasia à Fellini

O filme é por vezes invadido por personagens estranhos e grotescos que reforçam positivamente seu caráter delirante

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La Chimera

  • Quando Estreia nesta quinta (25) nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Josh O’Connor, Carol Duarte, Isabella Rossellini
  • Produção Itália, França, Suíça, 2024
  • Direção Alice Rohrwacher

Enquanto Hollywood gasta energia em diretoras da mediocridade de uma Greta Gerwig como a salvação da lavoura feminina no cinema, a Europa já há tempos valoriza o trabalho de direção de mulheres verdadeiramente talentosas. A italiana Alice Rohrwacher, por exemplo, desde sua estreia, com "Corpo Celeste", de 2011, parece não só uma das grandes "cineastas mulheres" de nosso tempo como um dos maiores destaques de todo o cinema atual.

Sua obra tem enorme força sensorial, com imagens realistas e oníricas, que trazem elementos biográficos em um habilidoso equilíbrio com observações sociais —tanto em longas de verve mais memorialista, como "As Maravilhas", de 2014, quanto para filmes mais abertamente engajados, como o esplêndido "Feliz como Lázaro", de 2018.

Carol Duarte e Josh O'Connor em cena do filme "La Chimera", de Alice Rohrwacher
Carol Duarte e Josh O'Connor em cena do filme 'La Chimera', de Alice Rohrwacher - Divulgação

Em seu novo longa, "La Chimera", ela leva seus rompantes barrocos ao paroxismo. Mas se, em geral ela costuma ser (nem sempre corretamente) apontada como uma discípula de Pier Paolo Pasolini, desta vez algo mudou, mais próxima da espetacularidade de um Federico Fellini.

O filme é constantemente invadido por personagens estranhos e algo grotescos; são todos dispensáveis à trama, isso é claro, mas é preciso reconhecer que reforçam positivamente o caráter delirante do longa. A diretora sabe o que faz.

Os toques de delírio estão na própria trama: um grupo de mercenários cavadores busca no subsolo toscano objetos da civilização etrusca para vender no mercado ilegal. O líder é Arthur, papel de Josh O’Connor, um arqueólogo inglês que, com poderes sobrenaturais, descobre onde importantes relíquias estão escondidas. Ele se envolve com Itália, vivida pela brasileira Carol Duarte, uma estudante de canto que faz as vezes de serva na villa da matriarca de uma família decadente, interpretada por Isabella Rossellini.

Com os cabelos encaracolados e os olhos sempre vivos, Carol se mostra um objeto cinematográfico valioso; mais que qualquer outro em cena, ela reluz - a diretora sabe explorar sua doçura e sua força cênica. Mas não sabemos quase nada sobre sua personagem – ou mesmo sobre a de Rossellini e o de O’Connor; são seres flutuantes que nunca de fato se enraizam na trama de Rohrwacher. O filme inteiro, aliás, dá a impressão de ele próprio estar sempre em levitação, talvez até à deriva – é uma obra singularmente fugidia, sempre escapando de qualquer possibilidade de rotulação ou aprisionamento. Talvez seja antes um fluxo de imagens do que propriamente um filme acabado.

Até aí, nada de inusitado: Rohrwacher nunca se interessou muito pela clareza narrativa. Sua especialidade sempre foram as informações sensoriais e os elementos do absurdo, do não dito, do pouco óbvio. É sempre um exercício tanto laborioso quanto fascinante tentar entender os tortuosos percursos que as ideias da cineasta fazem em sua cabeça antes de se tornarem imagens. Ao menos até o momento, porém, a falta de literalidade e a paixão por surpreender o espectador têm sido parte da grandeza dos seus filmes. Talvez sejam o seu diferencial.

Mas a fantasia rebuscada em que ela se lança em "La Chimera" é um tanto mais elusiva do que talvez devesse, e mesmo espectadores que a acompanharam com interesse em obras anteriores talvez não consigam seguir seu complicado fluxo narrativo desta vez. Pressente-se que se trata de uma fábula sobre a exploração dos muito ricos em cima do resto da humanidade, sobre a ganância em contraponto ao interesse por valores menos materialistas, ou qualquer coisa mais ou menos nessa linha.

Rohrwacher tem dito que seu longa é uma maneira de entrelaçar presente e passado, mas a verdade é que o filme é por demais inconsistente nesse sentido: o que exatamente ela quer cotejar (ou contrapor) entre o ontem e o hoje? O filme desvia de qualquer tentativa de racionalização satisfatória nesse sentido. Ou em qualquer outro.

Há simbolismos por toda parte, e Rohrwacher parece aqui ter novas ideias o tempo todo, sem muito interesse em concluir a anterior, deixando fios soltos ao longo de toda narrativa. (O longa é um bocado exaustivo.) Ou talvez não sejam propriamente ideias que a diretora tenha, mas apenas imagens mentais reproduzidas em cena. Sim: com grande habilidade, mas nem sempre se articulando de modo a formar um discurso decifrável.

É um filme que, em certa medida, causa constantemente frustração – a cineasta, ainda que menos apurada em termos visuais, ao menos era mais bem-sucedida anteriormente em deixar claro do que estava falando. Desta vez, a comunicação com o público se dá unicamente em termos estéticos; mesmo que, ao que pareça, a diretora ainda não tenha optado por um cinema não-narrativo.

É por pouco, mas Rohrwacher sai vitoriosa, mais uma vez. Mas seu filme deixa um claro sinal de alerta: até que ponto seus devaneios imagéticos serão suficientes para estabelecer uma interlocução com o público? Seria bom que a cineasta refletisse uma pouco sobre isso, para não correr o risco de, em breve, fazer filmes que se comunicam apenas com ela própria.

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