Dirigismo declarado de Frias vem junto com insegurança jurídica no campo da cultura

Escolha de termos pouco específicos como 'belas artes' mostra falta de intimidade com setor, diz professora

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Belo Horizonte

Mario Frias, o secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro, não deixa dúvidas de que a nova versão da Lei Rouanet anunciada nesta semana está ancorada no dirigismo e que não há problema algum nisso.

Frias afirmou que “dirigismo da política pública cultural não é o problema, é parte da função do governo”.
A gestão do ex-ator de “Malhação” demonstra mirar uma cultura tida como clássica e harmoniosa. O decreto, no entanto, deixa pontas soltas, vácuos de interpretação e pode trazer insegurança jurídica, na avaliação de especialistas.

A nova segmentação de áreas no âmbito da Rouanet joga no mesmo saco gêneros e linguagens artísticas distintos.

Linguagens diferentes —teatro, dança, literatura, música, pintura, escultura e arquitetura— podem ser aglutinados em três grupos diferentes agora, o de arte sacra, belas artes ou arte contemporânea.

De acordo com a crítica de arte e professora Ana Maria Belluzzo, a escolha dos termos pelo governo Bolsonaro e a falta de equilíbrio entre as áreas demonstram “uma falta de intimidade com o setor artístico”. “É uma malversação sobre quais são as atividades artísticas. Eles desconhecem as problemáticas específicas de cada área”, ela afirma.

Os termos usados nessa segmentação ainda podem causar confusão na hora de inscrever projetos no mecanismo de fomento, uma vez que arte sacra, belas artes e contemporânea não são mutuamente excludentes —e as fronteiras não estão claramente delimitadas no novo documento.

Entre as mudanças feitas pelo governo Bolsonaro, chamou a atenção, além do enfoque em arte sacra, a inclusão do termo “belas artes”.

Segundo o pesquisador Bernardo Guadalupe, professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, o termo “belas artes” começa a ser usado no século 18, dando “uma ênfase específica a certos tipos de arte, que são formas de arte cuja finalidade é produzir algo belo”. Costumam ser seis as artes clássicas, mas não há consenso sobre quais linguagens, que vão de literatura a música.

Com o tempo, assim como as ciências humanas se desmembraram da filosofia, algumas linguagens artísticas foram ganhando terreno próprio. Por isso, conta o professor, hoje em dia não se costuma associar, por exemplo, música e literatura ao conjunto “belas artes”, que em muitos casos é entendido como sinônimo de artes visuais.

“É um termo que fica confuso. Está falando das artes visuais? Está falando de todas?”, questiona Guadalupe.

“‘Belas artes’ é uma expressão em desuso”, diz a Belluzzo, a crítica de arte. “A modernidade supera as belas artes. Supera principalmente o conceito de ‘belo’. As artes hoje não são necessariamente belas.”
Segundo ela, o viés temático, dando território exclusivo para arte sacra, por exemplo, é problemático.

“Temos de batalhar por uma divisão técnica, para que os colegiados possam avaliar quanto custa fazer determinado projeto, quanto tempo leva, se é viável. “Esses campos estão mal delimitados, essa é a questão.”

Para além do simbólico, o documento apresenta pontas soltas no campo jurídico.

Segundo a advogada especializada em cultura Aline Freitas, além de limitar a aprovação de projetos de planos plurianuais, o decreto cria insegurança jurídica.

Os projetos que foram aprovados antes da publicação do decreto terão de se adequar às novas regras.

“Normalmente você cria uma regra de transição que acomode [os projetos recentes aprovados sob legislação anterior], que gere segurança jurídica”, diz a advogada.

Procurada, a Secretaria Especial da Cultura não respondeu até a publicação desta reportagem.

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