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Meticuloso e incansável, Tinhorão foi pesquisador único na música popular

A despeito das discordâncias, é impossível para a musicologia do país não usar de seu legado investigativo

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São Paulo

Em seu estudo “Estética Musical”, o musicólogo Carl Dahlhaus mostra que uma história, para ser “da arte”, terá de responder, continuamente, à pergunta sobre “o que é” (tem sido, pode ser) e “o que não é” arte.

Segundo ele seria uma ilusão o historiador da arte considerar possível tratar o seu objeto (a arte) como se ele não dependesse de uma eleição ditada por critérios estéticos, por mais móveis e provisórios que sejam.

Morto nesta terça aos 93 anos, José Ramos Tinhorão resolveu esses pressupostos de forma dogmática e rígida. De maneira crua, para ele haveria uma cultura popular pura, legítima, continuamente massacrada pela “avassalante concorrência de gêneros estrangeiros impostos maciçamente pelos trustes internacionais do disco”, como escreveu em sua “Pequena História da Música Popular”.

tinhorão em biblioteca
O crítico musical José Ramos Tinhorão, que morreu nesta terça - Raquel Cunha - 8.set.2014/Folhapress

Essa idealização do popular —que recusava o estatuto artístico das complexidades do desenvolvimento urbano e autoral até de gêneros como samba e baião— não polemizava com uma visão essencialista ou
“aristocrática” de arte, mas com as correntes progressistas, isto é, com as vanguardas e a antropofagia modernista brasileira.

Para fazer isso, a musicologia de Tinhorão tinha de se recusar a falar de música. De fato, sua avaliação da história da música brasileira nunca entra em qualquer engrenagem musical.

Nunca fala do perfil de uma melodia, da superposição dos ritmos, da paleta de acordes; não analisa soluções de instrumentação nem concepções de interpretação. Seu historicismo sociológico musical é insensível às peripécias das artes.

Por outro lado, tais escolhas conceituais —até certo ponto ingênuas— deram espaço à emergência de um pesquisador meticuloso, rigoroso, incansável, amante das fontes primárias, detalhista ao extremo e com capacidade investigativa única na música brasileira.

A despeito das discordâncias, é impossível, para a musicologia brasileira e ibérica, não usar do legado investigativo de Tinhorão.

Um exemplo entre muitos possíveis é que Tinhorão foi o primeiro crítico —em argumento sintetizado por Cacá Machado— a “alertar para o fato de que a habanera foi historicamente muito mais fraca do que a polca na cultura musical brasileira”. Nesses detalhes se ergue sua obra monumental —Tinhorão desfaz equívocos, partilha informação, alinhava temas que ninguém havia parado para se debruçar com atenção.

Em “Domingos Caldas Barbosa: O Poeta da Viola, da Modinha e do Lundu”, um de seus trabalhos mais espetaculares, levanta mais de 200 páginas sobre o filho de português com escravizada que nasceu no Rio de Janeiro em 1740 e morreu em Lisboa em 1800.

Ele mostra como esse pioneiro da canção popular brasileira encantou a Europa ao incorporar à linguagem dominante da poesia árcade-portuguesa os elementos poéticos afro-brasileiros. Estariam suas fusões sonoras imunes às impurezas do capitalismo?

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