Volta dos shows: Ratos de Porão toca disco que reflete Brasil de Bolsonaro

Banda punk paulistana faz show explosivo para fãs vacinados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rubens Cavallari - 10.12/2021/ Folhapress

São Paulo

​"Somos um povo sofrido/ acreditamos em Deus /e na seleção /estamos num barco furado /não temos dinheiro /nem revolução /Só 1.000% de inflação /eu acho que o barco vai afundar /2.000% de inflação."

Quem lê a letra de "S.O.S País Falido", do Ratos de Porão, pode achar que a faixa foi composta neste ano de preços nas alturas e inflação galopante, mas ela tem mais de três décadas de existência —foi lançada em 1989, como parte do disco "Brasil".

Mais adiante no mesmo álbum da banda punk paulistana, considerado por muitos fãs como o seu melhor trabalho, os versos de "Farsa Nacionalista" falam de uma "pátria amada nas mãos dessa cambada de extrema direita".

"Cara, essas letras, desse disco, feitas em 1989, algumas têm muito mais sentido hoje do que antigamente, véio", afirma o vocalista João Gordo, no intervalo entre uma música e outra, durante um show recente em que a banda tocou na íntegra o álbum, responsável por catapultar sua fama no exterior.

"Tá tudo meio careta, né?", acrescenta Gordo. "Meio careta, meio mussarela", emenda Jão, o guitarrista.

A apresentação era a sétima vez que o Ratos levava sua mistura de escracho, comentário político e música velocíssima para o palco do La Iglesia, uma pequena casa de shows aberta durante a pandemia e localizada nos fundos de um estacionamento no bairro de Pinheiros, em São Paulo, com o charme de ser meio escondida.

A ocasião era nobre. A banda amada por punks e metaleiros desde 1981 aproveitou o retorno da vida noturna depois do pior da pandemia para comemorar seu aniversário de 40 anos, numa série de shows em que tocou seus principais discos da primeira à última faixa, somente para os fãs vacinados contra a Covid com as duas doses, que tinham seus comprovantes checados na entrada da casa. A imunização completa foi um pedido da banda.

"Jamais imaginei que estaríamos comemorando 40 anos, ainda mais tocando nesse gás que nós estamos", disse João Gordo, hoje com 57 anos, a certa altura do show. Mas Gordo é modesto, porque "gás" não dá a real dimensão do que é ver o Ratos ao vivo. Os quatro músicos são uma bomba atômica em explosão, capazes de amplificar a aparente simplicidade instrumental do punk rock.

João Gordo, vocalista do Ratos de Porão, durante show do disco 'Brasil' - Rubens Cavallari -10.dez.2021 / Folhapress

O guitarrista, Jão, pula alto e vem para a beirada do palco na hora dos solos. Ao fundo, Boka espanca a bateria. Gordo mal sai de trás do microfone e até canta uma música sentado, mas sua peculiar presença de palco ganha a plateia —ele movimenta os braços para cima e para os lados e esconde a cara de horror com uma mão. Juninho levanta seu baixo para o alto entre uma música e outra, e às vezes olha para o público fazendo movimentos circulares com a mão.

É o sinal para que o público abra a roda de pogo. Em "Beber Até Morrer", um dos maiores hits da banda, mais da metade da pista é ocupada por fãs mais jovens e outros de cabelo branco se empurrando e dando socos e pontapés de brincadeira. Um rapaz de camiseta amarela sobe no palco e se joga para a plateia. O calor deixa tudo mais intenso. Poucas pessoas usam máscara, afinal é necessário cantar junto e ainda beber cerveja.

Quem quer ficar parado vai para o fundo da pista, mas não importa —a energia é uma só e toma conta do lugar, no melhor espírito punk de igualar os músicos e o público.

Lançado durante a redemocratização do país, "Brasil" é o quarto disco da banda. Traz bastante crítica social e ácidos comentários políticos, tanto na capa —que mostra policiais espancando pessoas e religiosos cometendo abusos sexuais— quanto nas letras. Seus curtos 29 minutos têm letras sobre o receio de que a ditadura volte, a violência policial e a destruição da Amazônia.

Gravado em Berlim, no ano da queda do muro, o álbum é relevante por sua mistura inovadora de punk e metal, resultando num gênero conhecido como "crossover", capaz de misturar duas tribos que nem sempre se bicaram. A turma do moicano sempre foi contra o sistema, e os de cabelo comprido têm fama de reacionários.

Posições políticas à parte, no visual da plateia no La Iglesia e também da banda sobravam referências antifascistas, como suásticas riscadas com o símbolo de proibido e camisetas com as mensagens "vidas nazistas não importam" e "ame gatos, odeie o fascismo".

Defender causas progressistas é parte do Ratos. Neste show o grupo cobriu um amplificador com uma bandeira do MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e arrecadou diversos quilos de alimentos para a Solidariedade Vegan, uma iniciativa do vocalista João Gordo que distribui marmitas veganas para pessoas carentes.

O show é relativamente curto, com pouco menos de uma hora de duração, já que o disco tem várias faixas que não passam dos dois minutos. Quando a banda para de tocar, os ouvidos ficam zunindo. Todos correm para a banquinha de camisetas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.