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Cinema dinossauro

'Jurassic World: Domínio' abandona a ciência e dá lugar a piadas previsíveis

Filme poderia ser o capítulo mais ousado da franquia sobre dinossauros, mas explora pouco a sua premissa

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Bruno Carmelo

Jurassic World: Domínio

  • Classificação 12 anos
  • Elenco Bryce Dallas Howard, Chris Pratt, Laura Dern, Jeff Goldblum
  • Produção EUA, 2022
  • Direção Colin Trevorrow

Desde que esta fábula sobre dinossauros chegou aos cinemas, ela teve como objetivo questionar os limites da nossa humanidade. Historicamente, humanos nunca conviveram com os seres jurássicos, mas a fantasia cinematográfica permite imaginar um mundo contemporâneo que abriga criaturas extintas há 65 milhões de anos.

Elas são muito maiores, mais fortes e ferozes do que nós. Mas, para Hollywood, somos nós que as fechamos num parque, em primeiro lugar, e depois abrimos os portões para que perambulassem pelo mundo.

Em "Jurassic World: Domínio", tiranossauros e giganotossauros caminham pela natureza, ocupando planícies mundo afora assim como leões e zebras. Mas eles foram criados por nós e soltos de acordo com a vontade humana.

Cena do filme 'Jurassic World: Domínio'
Laura Dern em cena do filme 'Jurassic World: Domínio' - Divulgação

Se vivem nos cinco continentes, foi graças à iniciativa de empresários e lideranças nacionais. A saga de filmes iniciada por Steven Spielberg, em 1993, sempre refletiu nossa sede descontrolada pelo poder.

Em cada história, os homens e mulheres arrogantes foram surpreendidos por suas criações, que romperam as grades e mataram dezenas de indivíduos pelo caminho. "Crie corvos e eles te comerão os olhos", diria o ditado.

Essa releitura de mitos como Frankenstein, em versão familiar e menos assustadora, repete ao espectador que a natureza é maior do que você, além de mais resiliente. Você desaparecerá enquanto espécie, mas o planeta continuará presente. Respeite o meio ambiente e aceite a sua insignificância.

Para além de conto ecológico, as produções miram os perigos de brincar de Deus. O enredo sustenta tanto um caráter progressista (o elogio da ciência) quanto um conservador (ela deve agir de maneira limitada).

No filme mais recente, dirigido por Colin Trevorrow, não surpreende que o caráter perverso e abusivo provenha dos empresários bilionários, em vez dos pequenos estudiosos de química, física e biologia, todos amantes dos bichos. Na introdução, Ellie Sattler, papel de Laura Dern, faz carinho num dinossauro em cativeiro. Os CEOs dessa aventura jamais fariam algo parecido.

Neste contexto, surpreende que "Jurassic World: Domínio" explore tão pouco, e timidamente, sua premissa. Este poderia ser o filme mais ousado da franquia, ao supor a convivência cotidiana entre dinossauros e cidadãos.

Agora, os animais ferozes não chocam mais ninguém. Além disso, pesquisadores conseguiram clonar humanos e bichos, o que desperta a possibilidade de convivermos com criaturas desenvolvidas em laboratório.

Entretanto, nenhum desses temas é explorado a contento. A cena dos trabalhadores de uma fábrica ao lado das feras ocupa poucos minutos iniciais. A existência de clones é mencionada como um não evento, sem levantar qualquer hipótese para justificar a clonagem humana (quando a fantasia recua de sua trajetória rumo à ficção científica). Este filme repleto de pesquisadores e laboratórios demonstra interesse mínimo pela ciência.

Pelo contrário, o que interessa aos produtores, desta vez, é a possibilidade de ver Owen Grady, papel de Chris Pratt, e Claire Dearing, vivida por Bryce Dallas Howard, correndo desesperados de animais ferozes, se possível junto dos veteranos Ellie Sattler, Alan Grant, papel de Sam Neill, e Ian Malcolm, vivido por Jeff Goldblum.

Os estúdios aprenderam com os erros do passado. Jogaram fora o salto alto que tanto incomodava nas corridas de Claire e finalmente introduziram personagens negros importantes à trama (Mamoudou Athie e DeWanda Wise são excelentes). Mas retiraram o conflito, o conhecimento.

Agora, de nada adianta a experiência de Claire. Ela nunca terá a oportunidade de usar seus conhecimentos. Grady, o "domador de dinossauros" e mestre do gesto tranquilizador face aos bichos, com a simples palma da mão estendida, se limita a um adestrador qualquer —amadores produzirão o mesmo efeito de pacificação de dinossauros mediante a palma estendida.

Ellie entende tudo sobre genética, e Sam, sobre paleontologia. Nenhum desses estudos servirá à narrativa. Face ao perigo, eles se transformam em meras vítimas tentando sobreviver.

Portanto, o filme dá um passo para frente e outro para trás. Por um lado, evolui a trama, para esta que seria a conclusão da franquia (até os produtores decidirem criar um novo volume, ou série derivada).

Por outro lado, retira do centro do debate a moral, a ética e o descontrole das ambições humanas. Há muito mais espaço para piadas físicas, com personagens que tropeçam e caem, além de romances anunciados desde a primeira cena.

Não são só os dinossauros que se domesticam –o cinema também regride à compreensão de que agradar ao público amplo implica um teor previsível, conhecido e um tanto inofensivo.

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