Rubens Caribé. O príncipe. Da voz, das palavras, do movimento. Cantar um texto. Falar. Dançar palavras.
Conheci Caribé já para trabalharmos juntos no Teatro do Ornitorrinco. Tantos espetáculos: "O Doente Imaginário", de Molière, com direção de Cacá Rosset. "Sonho de uma Noite de verão", de Shakespeare, também com direção de Cacá Rosset e "Teatro do Ornitorrinco em Nova York". E tantos, tantos e tantos.
Encantava com seu rigor corporal, vocal, incansável, pulava de personagens em personagens com a leveza e a força de uma onça puma. Pluma etérea. Grande amor, amigo, companheiro, grande ator, artista impecável.
Nosso último trabalho juntos foi no início pandemia, em um espetáculo sobre feminicídio, do dramaturgo mexicano Humberto Robles: "Mulheres da Areia". Os planos eram estrear no pós-pandemia. Mas, se já não havia como planejar a vida antes da pandemia, replanejamos a vida a cada minuto nesse novo pós-tudo. E fracassamos.
Porque a vida é apenas um rio, ora caudaloso, ora ínfimo. Ou mar infinito no finito. Rubens nos ensinou dentre tantas humanidades que no leito de um moribundo não deveríamos conversar, tentar tirar pensamentos ou falas de quem está à espreita da morte.
Rubens nos ensinou que devemos apenas nos oferecer lendo ao pé da cama, palavras, poemas. Ofertar palavras. Ele assim o fez com seu pai, assim o fez com Maria Alice Vergueiro. Fazíamos, eu, Rubens e Mônica Monteiro, saraus para Maria Alice Vergueiro, onde Rubens nos "maestrava".
Caribé lutou por 18 meses contra um câncer que o atingiu na alma e na palavra. Um ator, cantor, poeta, silenciado. Oh, deuses! Parte, Rubens! Voa, Rubens! Choramos. Esmurramos paredes para sentir a dor no pulso, pulsar. Dor, a física para que a alma esqueça de doer. Ah, deuses.
Na última vez em que estivemos juntos, em seu duplex, enquanto seu amor, Ricardo Severo, trabalhava no piso debaixo, Caribé me pediu: "Sobe, vai até meu quarto, na prateleira à esquerda, livro da Hilda Hilst, 'Da Morte, Odes Mínimas', pega."
Trouxe o livro: "Abre aqui. Lê. Faz o que te ensinei, amor, porque se me vai a vida". Li. Os mesmos poemas que ele leu brilhantemente para nossa dama Maria Alice Vergueiro. Li, receosa, tímida, porque eu não era Rubens.
"Demora-te sobre a minha hora.
Antes de me tomar, demora.
Que tu me percorras cuidadosa, etérea
Que eu te conheça lícita, terrena
Duas fortes mulheres
Na sua dura hora.
Que me tomes sem pena
Mas voluptuosa, eterna
Como as fêmeas da Terra."
Fiz depois uma massagem em seus pés, e ele, que não me poderia ofertar palavra-poema, me ofertou suas mãos em uma massagem vigorosa e suave. Suave e vigorosa. Vida. Breve. Me ofereceu uma cannabis, me levou até a porta, chamei o elevador deixando um cartaz de Bob Cuspe, de Angeli, e uma orquídea. Vai vida. Vai ser gauche, vai.
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