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Saiba o que é fatwa, que motiva perseguição ao autor Salman Rushdie

Violência dos extremistas que há décadas perseguem escritor de 'Versos Satânicos', porém, não fala em nome do islã

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O escritor Salman Rushdie vive em perigo há mais de três décadas, desde que um decreto religioso clamou por sua morte. Apesar de não haver por ora informações sobre a motivação do homem que o esfaqueou nesta sexta-feira, o episódio reacendeu o debate sobre a violenta intersecção entre a literatura contemporânea, a liberdade de expressão e o fundamentalismo.

O escritor britânico Salman Rushdie durante sessão de fotos em Paris - Joel Saget/AFP

Em 1988, Rushdie incomodou leitores fanáticos ao publicar seu romance "Versos Satânicos". O livro, de realismo mágico, costura a história de dois indianos no Reino Unido com a vida de Maomé, o profeta do islã que viveu nos séculos 6º e 7º. O título se refere ao episódio, narrado por certas fontes islâmicas, em que Satã enganou Maomé ao soprar para ele versos autorizando o politeísmo.

A ideia de que Satã influenciou o Alcorão, ainda que temporariamente, é perigosa. Líderes religiosos hoje rejeitam o episódio com base na doutrina de que Maomé era moralmente infalível —e não poderia, portanto, se enganar e minar a autoridade do Deus único do islã. Rushdie tocou, assim, num ponto sensível ao dedicar todo um romance aos tais versos demoníacos.

O livro, no entanto, tem diversos outros elementos indigestos para os fundamentalistas. Maomé aparece com o nome de Mahound, usado por cristãos no passado para vilipendiar o profeta. A cidade sagrada de Meca é chamada de Jahilia, termo árabe que se refere à era de ignorância anterior ao islã. Rushdie empresta o nome de mulheres do profeta Maomé para prostitutas.

A publicação de "Versos Satânicos" coincidiu com um crescente extremismo entre alguns setores islâmicos, plasmado na instituição de um regime ultrarreligioso no Irã depois da revolução de 1979. Em 1989, o aiatolá Khomeini —a máxima autoridade do país em termos de fé e política— emitiu um edito religioso pedindo que muçulmanos matassem Rushdie para punir o autor pela heresia.

O decreto de Khomeini acabou popularizando o termo fatwa, às vezes soletrado como fátua em português. Mas essa leitura extrema e literal da fatwa que é defendida pelo aiatolá não representa a riqueza do islã nem a sua história de tolerância.

Mais do que um decreto, uma fatwa é uma opinião religiosa. Um indivíduo procura um acadêmico islâmico, conhecido como mufti, com uma dúvida, e o mufti responde com uma fatwa. Ambos, mufti e fatwa, têm a mesma raiz no árabe. Em tese, uma fatwa não é um imperativo. Um fiel tem liberdade para ignorar a recomendação ou até procurar uma segunda opinião.

Na versão extrema do aiatolá, porém, a fatwa contra Rushdie teve o peso urgente de uma lei. A ordem era clara –Khomeini exigia que muçulmanos matassem o autor. Foi como extremistas entenderam a mensagem, e foi com base nessa interpretação radical que eles tentaram nessas três décadas alvejar Rushdie.

O presidente iraniano Mohammad Khatami chegou a anunciar em 1998 que seu país não apoiava mais a fatwa. Ele foi desmentido, porém, por líderes religiosos que disseram que apenas o autor do decreto poderia cancelar sua ordem. Khomeini morreu em 1989, logo após emitir a fatwa. Em teoria, o decreto continua válido, para os radicais.

O Irã dos aiatolás e a violência dos extremistas que há décadas perseguem o autor de "Versos Satânicos" não falam em nome do islã. Se o esfaqueamento de Rushdie tiver tido motivação religiosa, tampouco deve se transformar em um argumento para criticar todos os muçulmanos com base nos atos de alguns.

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