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Televisão ataque à democracia

'Extremistas.br' é valioso registro do radicalismo no governo Bolsonaro

Série do Globoplay mostra desde operadores de fake news nas redes sociais até golpistas em acampamentos

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Rio de Janeiro

Logo nas primeiras cenas da série documental "Extremistas.br", em um acampamento repleto de pessoas de verde e amarelo, diante de um quartel militar, uma mulher dá a dica para a repórter com a câmera. "Se você não estiver acompanhada comigo hoje, você vai apanhar. Porque o pessoal... Hoje eles estão para a guerra!"

Algumas cenas mais tarde, ouvimos uma voz feminina vociferando para uma jovem transeunte, que provavelmente demonstrou reprovação diante dos acampados. "Estamos fazendo isso aqui para você não virar comida de chinês, tá? Sua palhaça!"

Cena da série documental 'extremistas.br', sobre a ascensão dos movimentos radicais no Brasil
Cena da série documental 'Extremistas.br', sobre a ascensão dos movimentos radicais no Brasil - Globo/ Divulgação

É com uma profusão de berros com esse nível de violência —e ignorância—, com mais uma porção de pessoas dizendo frases politicamente confusas, de gente a todo tempo consumindo áudios e vídeos em celulares com teorias conspiratórias e exortações ao povo para que se lance em uma guerra civil, que o espectador é introduzido ao universo nada leve do documentário, produção original do Globoplay que estreia nesta quarta-feira.

A série "Extremistas.br" faz uma tentativa de, se não explicar tudo, ao menos servir como um importante documento sobre o radicalismo político no Brasil, sobretudo após a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. São oito episódios, que serão liberados em partes —os três primeiros entram na plataforma nesta quarta; os três seguintes, no dia 18, e os dois últimos, no dia 25.

Produzida pelo jornalismo da TV Globo, sob a direção de Caio Cavechini, a série investe em muito material inédito, colhido especificamente para o documentário a partir de 2021.

Há desde entrevistas com militantes de extrema direita, em acampamentos e fora deles, a conversas com sociólogos que tecem análises sobre o comportamento dessas pessoas. E há ainda depoimentos de infiltrados, operadores de redes sociais e mais uma série de figuras fundamentais para compreender a militância extrema no Brasil de hoje.

Diante da importância dos acontecimentos do último domingo na capital federal, a produção achou por bem incluir material dos crimes contra o patrimônio nacional nos palácios do Planalto, no Congresso Nacional e na sede do Supremo Tribunal Federal, então atualmente a equipe trabalha a todo vapor na ilha de edição para conseguir dar mais temperatura aos episódios, que já estavam todos prontos. Mas o fundamental sobre o extremismo político no Brasil já estava ali.

A série não esconde que tem um lado. É claramente contrária aos discursos golpistas e incitadores da violência e da desordem. Então o espectador que não perca tempo em procurar algum tipo de "equilíbrio", com demonização também de forças radicais de esquerda —o que, na situação atual do Brasil, diante da desproporção entre os métodos dos dois lados, nem faria sentido. O extremismo sobre o qual a série se debruça e condena é assumidamente o de direita.

Até há, sim, trechos dedicados a figuras espalhafatosas da militância de esquerda, como André Janones, mas parece ser antes um esforço por mostrar um painel amplo do extremismo no Brasil do que propriamente de contrapor o de esquerda e o de direita, como se fossem duas faces de uma mesma moeda.

Dentre as várias especulações da série a respeito do que levou à situação atual no Brasil, há os suspeitos habituais, como o discurso —literalmente— bélico promovido por Bolsonaro e a influência de líderes religiosos nas tomadas de decisões políticas dos fiéis.

Mas fica claro que há um grande culpado acima dos demais —as redes sociais. Se foi a grande agregadora de pessoas em todo o mundo nas últimas décadas, também foi quem mais desuniu.

Um dos depoimentos mais chocantes vem já no primeiro episódio. Um operador de redes sociais, de identidade não revelada, contratado por políticos para disparar memes e vídeos variados, reconhece que sabe que muito dos conteúdos são pura fake news.

"Eu, que trabalho com isso, e vocês, como parte da mídia, entendem que tem muita coisa que é furada. Mas vai conversar com a minha vizinha de frente. Você acha que ela não acredita em 'mamadeira de piroca'?", ele diz, antes de dar uma risada.

E, quando a jornalista pergunta a ele se não se sente mal em destruir reputações de pessoas que, inclusive, ele próprio reconhece como sendo honestas, o rapaz diz, com algum pesar –"eu vivo disso".

A série é instigante, mas traz alguns problemas de foco —por vezes, parece que tinham material demais e se perderam diante de tanta coisa. Muito vídeo que ajudará a entender melhor o radicalismo no Brasil de 2023, inclusive pela distância histórica, provavelmente ainda está sendo rodado. Mas "Extremistas.br" já é um valiosíssimo registro e vem em um momento crucial da nossa história recente.

Extremistas.br

  • Quando Novos episódios às quartas-feiras
  • Onde Disponível no Globoplay
  • Classificação 16 anos
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Caio Cavechini
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