De 'Pokémon' a 'Overwatch', como jogos viraram pornografia na internet

Personagens fictícios compõem o segundo termo mais buscado do site pornográfico Pornhub no ano passado

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São Paulo

A personagem D.va, de "Overwatch", encarna o estereótipo gamer. Arrogante, não poupa ninguém de comentários tóxicos eivados do jargão gamer, como "nerf" e "noob". Ela também é um sucesso no mundo da pornografia.

D.va, alcunha da fictícia coreana Hana Song, de 19 anos, simboliza como nenhuma outra a onda de filmes eróticos apócrifos com personagens de jogos, gênero batizado de hentai. Não é pouco. No site Pornhub, o termo é o mais buscado no Brasil e no mundo desde 2021.

Personagem D.Va do videogame 'Overwatch' - Reprodução

A popularidade da pornografia cartunizada está em ascensão. Em 2013, primeiro ano em que o Pornhub revelou seus dados, nenhum termo relacionado com cartoons estava entre os 25 mais buscados. Há três anos, "hentai" já ocupava o segundo lugar.

D.Va, Widowmaker, Mercy, Tracer e companhia voltaram a ganhar popularidade graças ao lançamento de "Overwatch 2", em outubro passado. Os homens do game também estão nos vídeos de sexo, mas não contam com a mesma estima. Nenhum dos 25 personagens mais buscados no Pornhub em 2022 era do sexo masculino.

O jogo é gratuito e mantém a dinâmica de batalhas de tiros em equipe. A modelagem dos bonecos lembra as animações da Pixar, com uma aparente castidade. A concupiscência com os personagens rola fora do game.

A pornografia ao redor do game floresce desde sua primeira versão, de 2016. O fórum do Reddit "Overwatch Porn" reúne mais de 700 mil seguidores. Esse número é maior que a soma das comunidades de "The Last of Us", "God of War" e "Horizon", três das mais populares marcas do PlayStation.

A Blizzard, desenvolvedora de "Overwatch", tentou coibir as primeiras ondas de versões sensuais, mas hoje adota a política da vista grossa. Uma enquete no Reddit com mais de 2.100 respostas estima que um terço dos membros do fórum nem jogam ou toparam primeiro com a versão erótica para depois começar a jogar.

Munidos de softwares de animação 3D acessíveis e gratuitos, os fãs trocam informações, modelos e até maneiras de extrair conteúdo do jogo original. Alguns criadores recebem remuneração por meio de plataformas de assinaturas para criar as animações. O perfil Guilty recebe R$ 20.800 de 1.129 assinantes por meio da plataforma Patreon.

Os pornógrafos do joystick chegaram a afetar a política. No ano passado, uma reunião de videochamada do parlamento italiano foi interrompida quando um dos participantes passou a exibir um clipe pornô de Tifa Lockhart, de "Final Fantasy 7", transando. A intermissão ocorreu momentos antes de Giorgio Parisi, vencedor do Prêmio Nobel de física, falar na audiência.

Segundo José Loures, professor e doutor em artes que pesquisa sexualidade e games, as novas gerações são mais propensas a consumirem conteúdo adulto de animação. O fato de estarem imersos em interfaces digitais exerceria influência na sexualidade.

Os dados do Pornhub corroboram a análise. Segundo o site, visitantes da geração Z, aqueles nascidos entre 1995 e 2010, consomem 58% mais vídeos de animação do que a média.

"Overwatch" é um prato cheio e variado. "O elenco tem dezenas de personagens, com corpos e personalidades diferentes, além de uma história com lacunas", afirma Loures.

Essa dinâmica supera a volúpia por jogos explícitos. Alguns dias depois de "Overwatch 2", a Nintendo lançou "Bayonetta 3", jogo que tem como marca o apelo sexual, cheio de referências a práticas BDSM –sigla que representa "bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo".

A protagonista é uma bruxa que perde a roupa sempre que precisa invocar demônios. O game, porém, não inspira tantas versões pornográficas. Embora tenha sido um dos premiados no The Game Awards, o Oscar dos games, para jogar "Bayonetta 3" é preciso de um console Switch e desembolsar R$ 299.

Para efeito de comparação, o vídeo pornô de "Overwatch" mais popular no Pornhub passou das 21 milhões de visualizações, enquanto o mais assistido de "Bayonetta" registra 500 mil.

O tesão dos jogadores é inguiável. O jogo cheio de fofurices "Pokémon", voltado para um público amplo, também conta com sua cota de conteúdo adulto. Foi o quinto game mais buscado no Pornhub.

No entanto, no caso de Pokémon é indistinguível a fronteira da piada e da libido. "Sem espaços para o debate ou a conversa, o meme vira uma válvula de escape", afirma Loures.

Os mais recentes games da série "Pokémon Scarlet" e "Violet", lançados em novembro passado, trouxeram erros técnicos e recordes de vendas, mas os jogadores encontraram uma maneira de expressar seu carinho pela série colocando os bichos a beijar o dono humano –nem sempre na boca.

A confusão entre humor e desejo sexual foi plasmada durante o lançamento de "Resident Evil Village", há dois anos. Uma curvilínea vampira de mais de dois metros de altura chamada Lady Dimitrescu atiçou diversas taras. Ela é a quarta personagem mais popular do Pornhub. Muitos dos vídeos vão além dos limites humanos.

"Com o digital, é possível fazer um filme com um personagem de um jogo, com um pênis de tamanho impossível, ejaculações infinitas e sem a necessidade de um contrato caríssimo", afirma Uno Vulpo, médico e pesquisador nos campos de sexo e gênero.

Vulpo, que é dono do perfil @SentoMesmo no Instagram, diz não acreditar na substituição de humanos pela animação na pornografia. "Por mais que exista uma forte frente junto aos games e computação gráfica, em paralelo existe um grande público se identificando com conteúdos mais orgânicos na pornografia", afirma.

Tanto Vulpo quanto Loures apontam a escassez de pesquisas nesse campo para apontar consequências e perspectivas do segmento, mas reconhecem que existe uma demanda. "A pornografia não existe do zero. Ela vem da sociedade", diz Vulpo.

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