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'Dançando no Silêncio' destaca a importância dos pequenos gestos

Longa de Mounia Meddour segue jovem apaixonada pela dança que terá de repensar a vida após uma agressão

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Dançando no Silêncio

  • Quando Estreia nesta quinta (5) nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Amira Hilda Douaouda, Lyna Khoudri, Rachida Brakni
  • Produção Argélia, 2023
  • Direção Mounia Meddour

A dança tem um inegável aspecto terapêutico na superação de problemas psíquicos. O fato de ser um exercício físico certamente contribui para isso, mas talvez esteja na autoexpressão o elemento mais decisivo desse potencial curativo; é como se o corpo que dança estivesse dizendo ao mundo, por passos e gestos, alguma mensagem que ele próprio não é capaz de transformar em palavras.

O longa "Dançando no Silêncio", da cineasta franco-argelina Mounia Meddour, é exatamente sobre isso. Acompanhamos a trajetória de Houria, uma jovem que trabalha como faxineira para poder juntar dinheiro para ajudar financeiramente sua mãe, com quem vive, na Argélia. Seu sonho, no entanto, é se tornar uma bailarina profissional, e ela treina pesado para conseguir atingir seu objetivo.

Cena do filme 'Dançando no Silêncio', de Mounia Meddour
Cena do filme 'Dançando no Silêncio', de Mounia Meddour - Divulgação

Mas a jovem se mete em uma encrenca quando tenta levantar dinheiro de uma maneira mais rápida do que arrumando camas e espanando móveis: resolve apostar em rinhas de carneiros. Ela tem até um bom feeling para a coisa: costuma escolher os melhores animais.

Mas um dia, após ganhar uma bolada, Houria é perseguida por outro apostador, que acha injusto o resultado da disputa ovina e quer o dinheiro que ela levou. A moça é agredida e sofre ferimentos graves, tornando-se muda e incapaz de voltar a dançar.

O que vem pela frente é basicamente aquilo que mesmo um espectador sem grande imaginação seria capaz de intuir: Houria vai para a fisioterapia —no começo quer largar tudo, talvez até desistir de viver.

Mas conhece uma turma de outras pacientes dispostas a ajudá-la a enfrentar essa nova etapa —cada uma com seu trauma e seus demônios, mas todas compreendendo que, unidas, são mais fortes e capazes de superar as barreiras. Sobretudo quando Houria as introduz ao mundo da dança.

Mounia Meddour até mostra aqui e ali alguns procedimentos que a distinguem enquanto realizadora. Por exemplo, consegue em geral impor em seu longa uma atmosfera solar, até leve, o que impede que a obra se torne muito sentimental, o que é sempre um risco real em se tratando de filmes sobre superação.

Em grande parte das cenas, as personagens femininas estão simplesmente brincando umas com as outras. Parecem por vezes até crianças, falando e fazendo pequenas tolices ou coisas sem importância —aquilo que nós adultos falamos e fazemos quando queremos demonstrar afeto e não sabemos muito bem como (ou quando não queremos dar solenidade demais a isso).

Curiosamente nos faz pensar que, assim como a dança, essas brincadeirinhas rotineiras meio bobocas também são uma forma de autoexpressão: de dizer ao outro "gosto de você", "conte comigo" ou mesmo "te amo", mas sem precisar recorrer o tempo todo a palavras —e, assim, sem tornar a relação algo pesado ou por demais piegas.

A diretora é um pouco menos feliz quando tenta inserir um subtexto político no longa, com uma crítica a algumas instituições da Argélia, sobretudo a polícia e a Justiça.

Não faria mal um pouco mais de didatismo nas cenas em que o filme menciona o processo de anistia a antigos terroristas, que hoje andam soltos pelo país —o rapaz que agride a protagonista é um deles.

E há certas cenas em que as reais intenções da diretora são indecifráveis. Quando ela mostra as rinhas de carneiros, parece inicialmente interessada em fazer uma denúncia da crueldade contra animais que ocorre nessas disputas nos bairros populares de Argel.

Mas existe um tom não repreensivo, por vezes até humorístico, na forma como ela apresenta esses combates. Que não chegam a ser confrontos sanguinários —no máximo, os animais trocam cabeçadas entre si—, mas fica notório que os bichos não estavam exatamente felizes em cena.

A diretora sabe lidar melhor com os humanos —as atrizes, sobretudo. É um filme sobre o feminino, mulheres que se viram muito bem sem a presença masculina em uma sociedade islâmica patriarcal. A bela e expressiva protagonista Lyna Khoudri, que foi revelada pela própria Meddour em seu longa anterior, "Papicha", de 2018, capitaneia o elenco com firmeza e graça. É merecidamente uma das atrizes mais destacadas em sua geração no cinema francês atual.

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