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Betty Milan

Restauração de Notre-Dame mostra o valor que franceses dão à tradição

Paris não existe sem Notre-Dame cuja construção começou em 1163 e levou dois séculos e inspirou a literatura de Victor Hugo

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Betty Milan

Escritora e psicanalista, é autora de “O Papagaio e o Doutor” e “Baal”; membro da Academia Paulista de Letras

A flecha de Notre–Dame de Paris estava sendo restaurada quando a catedral pegou fogo, no dia 15 abril de 2019, pouco antes das 19h.

O incêndio, que durou 15 horas, destruiu a armação, o teto da nave bem como a flecha. Com o desabamento da flecha —que pesava 500 toneladas— uma parte da abóboda ruiu. Só se conseguiu evitar a destruição completa do edifício, proteger a fachada, o tesouro e as obras de arte porque os bombeiros foram imediatamente acionados.

Pouco antes de meia-noite, naquele dia trágico, Macron foi à televisão e prometeu a reconstrução de Notre-Dame em cinco anos. Graças à ação de 600 bombeiros, no dia 16 abril, às 10h, o fogo estava apagado.

Novo galo de ouro é colocado no topo da Catedral Notre-Dame, em Paris - Christian Hartmann/Reuters

No dia seguinte, houve um conselho de ministros extraordinário e uma convocação nacional para doações —853 mihões de euros foram coletados em alguns dias.

Paris não existe sem Notre-Dame cuja construção começou em 1163 e levou dois séculos. Além de ser um monumento emblematico da cidade, situado na Île de la Cité, à beira do Sena, a catedral é a sede da

arquiodiocese, dedicada à Virgem Maria. Victor Hugo se inspirou nela para escrever O corcunda de Notre-Dame.

Afim de coordenar o trabalho de reconstrução, Emmanuel Macron escolheu um oficial do exército, o general Georgelin. Mil artesões de alto nível foram contratados (entalhadores de pedra, restauradores de pintura e escultura, mestres vidreiros). Três grandes canteiros foram abertos : o interior, as abóbodas, a armação e a flecha. Por outro lado, decidiu-se limpar o edifício inteiro, particularmente o órgão, apesar de ser necessário desmontar e montar 8.000 tubos, um a um. Para refazer os arcos das abóbadas utiizaram-se 1000 metros cúbicos de pedra. Para a armação de madeira, 1000 troncos de carvalho.

Quatro anos depois do incêncio, no dia 8 de dezembro de 2023, Macron visitou o canteiro e subiu até o cimo da nova flecha afim de anunciar a reabertura da catedral em dezembro de 2024, ou seja, conforme a sua promessa. Segundo o vice-presidente da Fundação do Patrimônio foi um momento histórico pois todos duvidavam que a promessa pudesse ser cumprida por causa de « obstaculos técnicos e financeiros ». Acrescentou que o estabelecimento de um prazo foi decisivo para o sucesso, falou da perícia dos artesões franceses – « internacionalmente invejada » – e concluiu dizendo que todos ficarão maravilhados com a beleza do edifício, a cor original da pedra que pode ser recuperada.

A história recente de Notre-Dame mostra o quão responsável pelo patrimônio o chefe de estado é na França, o quão valorizado o bem público. Além de construir o magnífico castelo de Fontainebleau, em 1539, François I fez da língua francesa a língua oficial do país– em substituição ao latim –decreto de Villers-Cotterêts. Sobre o que Luis XIV fez pelo patrimônio, em Versalhes, não é preciso discorrer.

Na tradição dos reis, Georges Pompidou construiu o museu Beaubourg para criar, no centro de Paris, uma instituição original de arte moderna. François Mitterand construiu no grande Louvre a pirâmide de vidro e metal, obra concebida pelo arquiteto americano de origem chinesa, M. Pei. A Jacques Chirac, Paris deve o museu do Quai Branly, um dos museus etnográficos mais importantes do mundo. Emanuelle Macron privilegiou a língua e fez a cidade internacional da língua francesa em Villers-Cotterêts.

O êxito da restauração de Notre-Dame se deve à tradição, mas também à prontidão do presidente, dos seus assessores e do povo francês.

Noutras palavras, a uma relação com o tempo, que tanto privilegia o passado quanto o futuro, preservando a catedral para as gerações que virão. Não é à toa que o primeiro grande acordo sobre o aquecimento climático foi assinado em Paris.

Os franceses sabem se valer de um desastre para engrandecer a França e oferecer ao mundo o que ela tem de melhor. Assim, já em dezembro, será possível ver novamente os vitrais de Notre-Dame, tão esplendorosos quanto as noites claras de luar

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