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Documentário sobre Devo é um passeio sombrio pela civilização americana

Filme em cartaz no festival In-Edit mostra como banda surgiu a partir da repressão a protestos contra a Guerra do Vietnã

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São Paulo

No início dos anos 1980, o Devo e o B-52’s foram a trilha sonora para quem dançava vestido de verde limão, experimentava as primeiras gotas de cuba libre ou hi-fi de fanta laranja e seguia a nova onda musical, literalmente a new wave.

A estética colorida e as músicas nonsense, como "Peek-A-Boo" ou "Rock Lobster", convidavam os adolescentes a festinhas animadas, sem compromisso e totalmente alienadas.

A banda Devo
A banda Devo - Barry Schultz/Barry Schultz

Assistir agora ao documentário "Devo", que abriu o festival de cinema musical In-Edit nesta quarta (12), no CineSesc, mostra como essa suposta alienação estava fora de lugar. Faz parte da vida de uma banda que se autodenomina uma das mais incompreendidas da história do rock.

O Devo é de fato uma banda tão política —e crítica ao modo de vida americano— que não espanta o fato de ter brilhado intensamente entre 1978 e 1982, e, tal qual uma supernova, explodido miseravelmente após seu sexto álbum, "Shout", de 1984, deixando praticamente nenhum rastro para trás.

Aí vem o diretor Chris Smith para recontar essa história e recolocar o Devo no centro das atenções. Atualmente, Smith pode ser visto na Netflix com os também documentários "Fyre" (2019), sobre um festival de música naufragado numa ilha das Bahamas, e mais recentemente com "Wham!" (2023), o duo pop de George Michael.

"Devo" terá mais uma única exibição, no domingo (23) de encerramento do festival, na semana que vem.

E essa história começa de forma surpreendente, uma vez que Mark Mothersbaugh e Gerald Casale pareciam fadados a se tornarem artistas frustrados do interior dos Estados Unidos. Até que o presidente Richard Nixon mandou a Guarda Nacional abafar protestos contra a Guerra do Vietnã de estudantes da Kent University, em Ohio.

Abafaram mesmo: trinta e oito soldados atiraram contra uma multidão de estudantes desarmados, matando quatro, paralisando um e ferindo outros oito. O massacre da Kent University, como o episódio ficou conhecido, foi a causa de duas coisas importantes para história do rock.

A primeira foi o lançamento, um mês depois, da música de protesto de Neil Young "Ohio", por Crosby, Stills, Nash & Young.

A segunda foi que os estudantes Mothersbaugh e Casale, que haviam se conhecido justamente na Kent, viram no massacre a prova para uma brincadeira artística que eles vinham arquitetando: o conceito da devolução humana, uma volta às raízes pelo modo mais traumático, ou seja, o esquecimento da civilidade e o abraçamento da selvageria.

Daí o nome Devo e o humor corrosivo que emanavam de músicas como "Mongoloid", "Too Much Paranoias" ou "Gut Feeling", todas do primeiro álbum, chamado "Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!".

Esse título, usado como refrão em "Jocko Homo", se tornaria uma marca registrada da banda, mais ou menos como o "Hey, Ho, Let’s Go" dos Ramones.

O documentário traz inúmeras histórias interessantes. A frase "Are We Not Men?" (Não somos homens?) veio de uma fala de uma versão cinematográfica de "A Ilha do Doutor Moreau". O termo "devolution" estava num panfleto alertando pais para a possibilidade de suas crianças se tornarem adoradores de Satã.

Com clipes artísticos, e sempre estranhos, o Devo surfou na primeira onda da MTV até que se tornaram "espertinhos demais" para os gostos da empresa. Usando vasos de planta como chapéus e máscaras sinistras, eles logo chamaram a atenção de colegas artísticos.

Mothersbaugh conta como John Lennon (que também amou o B-52’s) certa vez apareceu à sua frente e cantou um refrão do Devo. David Bowie, sempre antenado, se interessou pela banda logo no começo, inclusive se comprometeu a produzir o álbum de estreia. O inglês acabou passando o serviço para o mago da produção Brian Eno.

Apesar do que foi dito no início desse texto, o Devo não acabou mesmo em 1986. Apenas perdeu a importância, sumindo de forma melancólica no restante dos anos 1980, mesmo lançando ainda dois LPs.

Após breve hiato entre 1991 e 1996, o Devo retomou os shows, gravou um novo álbum em 2010 e, atualmente, se apresenta regularmente em Las Vegas, excelente cemitério para bandas que precisam fazer o caixa. Faz parte.

Como escreveu o repórter da Rolling Stone americana, ao comentar a estreia mundial de "Devo", no festival de Sundance deste ano, na qual metade da plateia estava usando chapéus-cachepô, ainda somos todos devo-tos.

Devo

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