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Atmosfera sufocante de 'Longlegs' tenta, mas não esconde fragilidades

Filme de Osgood Perkins tem trama desequilibrada, mas ganha força na presença desconcertante do psicopata de Nicolas Cage

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Marcelo Miranda

Longlegs: Vínculo Mortal

  • Quando Estreia nos cinemas na quinta (29)
  • Preço 18 anos
  • Elenco Maika Monroe, Nicolas Cage, Blair Underwood
  • Produção Estados Unidos, 2024
  • Direção Osgood Perkins

A relação de "Longlegs – Vínculo Mortal" com seu próprio material fílmico é bastante similar à da agente do FBI Lee Harker, interpretada pela atriz Maika Monroe, com seu objeto de investigação. De um lado, há os crimes cometidos pelo psicopata do título e aos quais a personagem é direcionada após revelar talento intuitivo acima do normal na resolução de um caso anterior; de outro, Harker tem fantasmas pessoais a atormentá-la, a ponto de ela tocar a vida numa "zumbificação" à beira do colapso.

Os motivos dos traumas levam tempo para serem revelados, mas é evidente que se conectam ao misterioso Longlegs. É no encontro entre um aspecto e outro que o diretor Osgood Perkins transita. Por qual ele fica mais à vontade é um tanto explícito enquanto tudo avança.

Cena do filme 'Longlegs: Vínculo Mortal', de Oz Perkins
Cena do filme 'Longlegs: Vínculo Mortal', de Oz Perkins - Divulgação

Talentoso em criar a sensação de que o mundo é dominado por um mal sempre em vias de emergir, como nos anteriores "A Enviada do Mal", de 2015, "O Último Capítulo", em 2016, e "Maria e João", de 2020, Perkins ambiciona em "Longlegs" ampliar seu escopo e motivações artísticas.

Também autor do roteiro, ele o encena com excesso de elementos e referenciais. Vai do suspense policial noventista, em especial "O Silêncio dos Inocentes", de 1992, e "Seven – Os Sete Crimes Capitais", de 1995, passa pelo chamado "pânico satânico" dos anos 1970, quando supostos perigos do ocultismo dominavam aflições na ficção e no noticiário, e adota pendor narrativo próximo à primeira temporada da série "True Detective", exibida em 2014.

Ao mesmo tempo, ainda que ação de "Longlegs" se localize em meados dos anos 1990, Perkins insere na sua Lee Harker aproximações contemporâneas usadas como garantidoras de empatia em histórias de suspense e horror protagonizadas por mulheres que, traumatizadas, enfrentam seus medos personificados na ameaça central dos enredos.

Mas o que interessa a Perkins, de fato, ainda é a construção de atmosfera. Ao superfaturar os desdobramentos narrativos de "Longlegs", as viradas são telegrafadas muito antes de aparecerem e oportunamente encaixadas para o clima opressivo seguir em primeiro plano, mesmo que o texto lute para sobressair. O equilíbrio disso é um desafio, e a desproporção fica evidente até ultrapassar o estilo estético de Perkins, por mais que seu entusiasmo como criador daquele mundo se mantenha estável.

A principal contradição de "Longlegs" é o excesso de autoconsciência sobre os efeitos de medo e apreensão, enquanto o filme transmite uma história que não se sustenta tão bem, diferente do que a percepção sobre si mesma parece acreditar. O castelo de detalhes montado por Perkins se desmorona com facilidade quanto mais fundo mergulha nas supostas complexidades da vida e da investigação de Harker. A situação se agrava quando, no terço final, uma longa sequência explicativa é repetida minutos depois, como a insistir no quão terrível tudo aquilo é.

O choque perseguido por "Longlegs" na superfície do roteiro pouco se reflete nas imagens do filme, mais atentas a desenvolver ambiências e espaços com serena perturbação. Os efeitos desse contexto, de fato assustadores e sufocantes graças ao estilo de Perkins, são amplificados pela gelidez da fotografia, a crueza discreta da trilha sonora e a presença caótica de Nicolas Cage.

Cage constrói a mais perfeita fantasmagoria de toda a carreira de Perkins e uma das grandes figuras do cinema em 2024. A ausência de Longlegs em cena, a permear a maior parte do filme, é tão forte quanto a pouca presença, justamente porque todo o insólito se garante pelo efeito das ações do psicopata no ambiente ao redor. Essas ações não incidem apenas nos traumas de Harker, mas na própria concepção visual e sonora, como se o Longlegs de Cage definisse inclusive a razão de aspecto da tela de projeção, sempre em alternância.

O assassino é a grande autoconsciência de "Longlegs" como filme de horror. Só ele, tal como surge visual e imaginariamente, já bastaria aos efeitos sinistros buscados pelo diretor na jornada da personagem principal. Esse arranjo é perfeito, por exemplo, na relação entre Hannibal Lecter, Buffalo Bill e Clarice Starling em "O Silêncio dos Inocentes" ou entre John Doe e os detetives de "Seven".

Nestes, inexistem maiores traumas anteriores ou questões mal resolvidas e alegorizadas, com as ameaças a surgirem tais quais fissuras num mundo tido como "normal". Diante da figura tão monstruosa e desconcertante quanto fascinante e hipnótica vivida por Cage, todo o excesso de trama em torno de Harker em "Longlegs" fica ainda mais fragilizado, sob o risco da banalização.

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