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Emmy surpreende e busca recalibrar relevância ante novas plateias

Escolha de Hacks em detrimento de O Urso põe em debate status de comédia; Emmy entrega representatividade esperada há anos

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São Paulo

Fazia tempo que o Emmy, a premiação mais importante da TV americana, não oferecia emoção, limitando-se a confirmar resultados previsíveis para a crítica e o público. Até que, no último anúncio da noite de domingo, o de melhor série cômica, a surpresa veio: "Hacks", uma série elogiada, mas sob o radar, superou a ultracomentada "O Urso".

Oito meses antes, quando o Emmy de 2023 teve sua edição tardia por causa da greve dos roteiristas, a primeira temporada de "O Urso" havia saído do Peacock Theater consagrada. A segunda, que concorreu agora, foi vista por 97,6 milhões de horas nos EUA segundo a Nielsen. A temporada de "Hacks" na competição não chegou à metade disso.

Os vencedores dos prêmios de melhor roteiro em série de comédia e melhor série de comédia, 'Hacks'
Os vencedores dos prêmios de melhor roteiro em série de comédia e melhor série de comédia, 'Hacks' - Mike Blake/REUTERS

Em termos de audiência, não há comparação; em termos de qualidade, o debate suscita paixões e argumentos de dois lados.

Contra "O Urso" pesa não ser comédia de fato (os apresentadores Eugeny e Dan Levy se limitaram a alfinetar: "no espírito de ‘O Urso’, não faremos nenhuma piada".)

Claro que risos histéricos não são obrigatórios, e "Hacks" mesmo é muito mais do humor sarcástico e sutil. "O Urso", relevadas algumas piadas bobas a cargo dos cansativos irmãos Fak, tem uma inequívoca carga dramática e uma nuvem carregada de angústia sobre seus personagens.

Por esse ângulo, o prêmio pode ser acertado, sobretudo se considerado que a terceira temporada de "Hacks" é a mais forte, e a segunda de "O Urso", a mais frágil (a mesma lógica se aplica ao prêmio de atriz —Ayo Edebiri, suplantada por Jean Smart, é espetacular, mas a temporada em que ela assume inequivocamente o posto de coprotagonista é a terceira).

Entretanto, "O Urso" é uma série muito mais emblemática. As angústias afloradas em cena, que alguns espectadores definem como exagero, são espelho desses tempos em que tudo é para já, as escolhas parecem definitivas e a abundância de alternativas e expectativas, mesmo entre os menos abonados, sobrecarrega.

Importa menos que isso esteja simbolizado em uma cozinha —poderia ser uma escola ou empresa— do que o quanto ressoa num mundo de imediatismo, individualismo e hiperproblematização.

A excelência das duas séries e do restante desse páreo mostra que tem cabido às comédias o realismo, enquanto os dramas enveredam na fantasia e nos épicos

A esperada consagração de "Xógum" reflete essa preferência, executada com raro capricho e uma subversão narrativa que atende à demanda do público por mais pontos de vista: na versão 2024, a história de poder no Japão feudal tem como coprotagonistas dois japoneses (Hiroyuki Sanada e Anna Sawai levaram os prêmios de atuação), diferentemente do livro e da minissérie de 1980, centradas no forasteiro britânico.

Essa atenção à diversidade, presente na premiação nos últimos anos pela sobrevivência do negócio, já que o streaming tornou a plateia verdadeiramente global, culminou nesta edição em acenos em variadas direções.

"Bebê Rena", melhor minissérie/série antológica da noite e contemplada com os prêmios de melhor ator e atriz coadjuvante (Richard Gadd e Jessica Gunning, cujas figuras contestam o padrão estético que Hollywood consagrou), é um drama árido sobre perseguição, estupro e sentimento de inadequação, além de ter no elenco também a primeira atriz transgênero indicada ao prêmio (a mexicana Nava Mau).

Jodie Foster, discretíssima em sua vida pessoal, agradeceu efusivamente à mulher, Alexandra Hedison, ao receber o prêmio de melhor atriz em minissérie pela excepcional "True Detective: Terra Noturna", que ainda teve indicações de direção (a mexicana Issa Lopez) e atriz coadjuvante (Kali Reis, descendente indígena).

O mexicano Diego Luna só falou espanhol ao anunciar um vencedor, e o colombiano John Leguizamo fez um bonito discurso de representatividade ao anunciar um prêmio institucional.

O momento mais emocionante da noite, contudo, coube a Lisa Cólon-Zayas, americana de ascendência porto-riquenha premiada por sua atuação em "O Urso" como Tina, uma cozinheira que se redescobre após os 50 anos, refletindo tantas mulheres antes invisíveis para filmes e séries.

Ao subir ao palco, desconcertada pela emoção, ela fez um apelo ante o retrocesso em direitos civis nos Estados Unidos, do qual migrantes e mulheres são alvo preferencial: que pessoas como ela votem nas eleições presidenciais. Para se defender.

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