Descrição de chapéu
Felipe Maia

No eletrônico, Rock in Rio tem line-up limitado e aquém da música atual

No palco New Dance Order, DJs do evento carioca se restringem apenas a variações do techno e do house comerciais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Felipe Maia

Jornalista e etnomusicólogo, colabora na cobertura de música da Folha, The Guardian, Rolling Stone e Pitchfork

Com quantos DJs se faz um festival? Em 2024, com pelo menos um. Grandes eventos hoje não podem passar ao largo da eletrônica, que, muito mais do que um gênero, é uma forma de fazer música. Da distopia empacotada do Burning Man, nos Estados Unidos, ao delírio praiano do Dekmantel Selectors, na Croácia, do parrudo Primavera Sound, na Espanha, ao ponta de lança Nyege Nyege, em Uganda, música eletrônica dita o ritmo em toda sua diversidade.

Então por que o Rock in Rio, o maior festival de música brasileiro, convocou apenas um DJ para seu line-up? Considerando duos e solos, as 21 atrações nacionais do palco New Dance Order pouco diferem entre si. Até alguns nomes são similares: Dubdogz e Cat Dealers, Jetlag e Fatsync. Não muda muito olhar para os estrangeiros —headliners mais pela nacionalidade do que pela obra. A batida, assim, deve soar monótona na Cidade do Rock.

Palco New Dance Order, no Rock in Rio de 2022
Palco New Dance Order, no Rock in Rio de 2022 - Ana Shiokawa/Divulgação

O Rock in Rio traz um espectro breve da música eletrônica: techno e house comercial, com assepsia de build-ups e drops —o crescendo e o clímax—, presença garantida na lista de faixas mais buscadas do BeatPort —importante plataforma de venda de músicas para DJs. Uma maionese com variações de melódico, bass e minimal, além do tech-house, cruzamento cuja versão contemporânea se despiu da rebeldia de um e da alma do outro.

O line-up tem alguns nomes de peso, caso de Illusionize e Victor Lou. Pioneiros do desande, movimento que abrasileirou o bass house de artistas como Tiesto e Claude VonStroke ao gosto das festas de som automotivo da região de Goiânia, os jovens merecem o destaque no New Dance Order. Quem também desponta no line-up é a DJ Eli Iwasa, com um som que consegue unir trance de pista e techno polirrítmico. Mas acaba por aí.

A sensação de monotonia cresce para quem lê as letrinhas do line-up. Mais de 80% dos DJs escalados para o festival tem sua carreira gerenciada por uma dessas três agências: Entourage, Plusnetwork e Box Talents. Tais companhias, misto de selos musicais e produtoras de evento, também são hoje líderes no avanço da música eletrônica de grandes palcos no país, representando localmente grifes globais como Tomorrowland e Time Warp.

O mainstream cumpre seu papel em legitimar na norma o que antes era alternativo. Grandes agências estruturam um ecossistema sustentável para DJs, com qualidade e quantidade de eventos. Demonizar um ou outro é bobagem, ainda mais com o avanço de marcas sobre a música eletrônica em todo o mundo.

No entanto, pautar-se apenas pelo que faz sucesso e empresas de peso é um problema. No aniversário de 40 anos do Rock in Rio, o palco New Dance Order parece um balcão de negócios com vendas casadas e produtos de um mesmo corredor do supermercado.

É uma incongruência com o evento que diz celebrar o Brasil. Para resolver o problema, bastaria dedicar metade do line-up à diversidade da música eletrônica nacional, deixando a outra metade com o venal das pistas.

Cadê o psy, que segue movendo raves pé-no-barro pelo interior do país? A alta velocidade de drum'n'bass e jungle, que hoje une cânones como Marky a iniciativas como a Speedtest Rave? O tecnomelody de nomes como Miss Tacacá e Zek Picoteiro? O funk de pista com techno áspero de Slim Soledad? O house de piano e o tribal de cornetas? Não é apenas som. Cadê as diferentes cores do Brasil e gêneros para além dos musicais?

Este ímpeto curatorial ficou evidente no The Town, o irmão paulista do Rock in Rio. Em sua primeira edição, no ano passado, o festival acertou na seleção do palco eletrônico. Trouxe lendas como Inner City e Kerri Chandler, embarcou em performances únicas como o encontro de Badsista e Marina Lima. Cumpriu a proposta de lançar olhar e escuta apurados sobre baladas e galpões de São Paulo. Já o Rock in Rio, maior que o The Town, se apequenou.

Festival não é quermesse e lucrar é mister. Acreditar que um line-up comercial resultaria em mais vendas, porém, é engano. A maior parte dos DJs que se apresentará na Cidade do Rock faz shows a rodo pelo Brasil e pelo mundo, e um festival como o Rock in Rio não compete com essas festas. Segue a interrogação sobre o festival de um DJ só.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.