Exposição recria esconderijo onde Anne Frank passou últimos anos de vida

Mostra, em cartaz na Unibes Cultural, traz também artistas contemporâneos como Claudia Andujar e Flávio Cerqueira

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em cima da cadeira, há um grande urso de pelúcia. Sobre a escrivaninha, livros, canetas e um diário aberto. Nas paredes, uma profusão de pôsteres com estrelas do cinema. É um quarto parecido com o de tantos outros pré-adolescentes. A diferença é que num cômodo como este viveu Anne Frank, uma das figuras mais emblemáticas do século 20.

De origem judaica, a jovem foi assassinada aos 15 anos em um campo de concentração, tornando-se um dos símbolos do Holocausto. Para tentar salvar sua família, Otto Frank, pai da jovem, construiu um esconderijo nos fundos de uma fábrica, em Amsterdã. O imóvel onde ela passou os dois últimos anos de vida ganha agora uma reprodução na Unibes Cultural, na zona oeste de São Paulo.

Diário de Anne Frank
Imagem de Anne Frank - Wiki Commons

Intitulada "Anne Frank: Deixem-nos Ser", a exposição mostra em detalhes o anexo secreto, reconstruído tendo como base ilustrações, fotografias e plantas cedidas pela Anne Frank House, museu de Amsterdã dedicado à jovem.

Objetos corriqueiros, como xícaras, panelas e brinquedos, conferem uma atmosfera de normalidade ao local, mas o ambiente claustrofóbico não deixa o visitante esquecer de que está dentro de um esconderijo.

Apesar do cenário adverso, a adolescente conseguiu encontrar inspiração para escrever um diário sobre sua rotina e seus anseios. Único sobrevivente da família, Otto encontrou o manuscrito depois que a guerra terminou e decidiu publicá-lo sob o título "Diário de Anne Frank".

O livro vendeu cerca de 30 milhões de exemplares, foi traduzido em mais de 60 países e ganhou versões para o cinema, o teatro e os quadrinhos. Ao caminhar pela exposição, o visitante ouve trechos do diário, reproduzidos nas caixas de som.

O nome da mostra, aliás, foi retirado da obra. "Deixe-me ser eu mesma, então eu estarei feliz", escreve Anne, em uma das passagens. Os curadores decidiram conjugar a frase no plural para incluir outros grupos que são alvo de opressão.

"É mais do que um título. É uma voz que clama para que as pessoas possam ser aquilo que elas são", diz Carlos Reiss, curador da mostra e coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba. "Além do combate ao ódio, às injustiças e aos preconceitos, é um clamor pelo direito à individualidade e à diversidade."

Ele diz que a exposição busca estabelecer diálogos com problemas sociais contemporâneos, como o racismo e a homofobia. Por isso, há na mostra obras de artistas contemporâneos. "A gente não quer falar de discussões que estão do outro lado do mundo, e sim de assuntos que estão na nossa frente."

Um desses assuntos é o racismo, em evidência na escultura "No Meu Céu Ainda Brilham Estrelas", de Flávio Cerqueira. Na obra, é possível ver uma menina negra segurando para o alto um livro cheio de perfurações, como se ele tivesse sido alvejado por tiros.

As populações indígenas também estão presentes, por meio de uma fotografia da série "Marcados", de Claudia Andujar. A obra foi feita nos anos 1980, quando a fotógrafa acompanhou o trabalho que médicos realizaram na terra yanomami.

A escolha da artista se justifica também por sua biografia. Nascida na Suíça e filha de pai judeu, ela sobreviveu ao extermínio promovido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Embora tratem de grupos marginalizados, as obras não necessariamente abordam de forma direta a violência. Exemplo disso é um bordado de Leonilson, artista que fazia obras sobre sua vivência enquanto um homem gay que vivia com HIV.

"É uma obra que explora discussões sobre lugares de afeto, sonhos e amor, temas que são grandes questões sociais", diz Reiss. "Leonilson também percebia a segregação por fazer parte de uma minoria."

Para o curador, Anne Frank virou símbolo da perseguição aos judeus por ter conseguido romper a desumanização a que eles foram submetidos pelo nazismo. "Ela talvez tenha sido uma das primeiras personagens históricas a conseguir furar esse bloqueio da massificação e dar um rosto para milhões de pessoas perseguidas e assassinadas."

Idealizadora da mostra, Priscilla Parodi acrescenta que o objetivo da mostra é dar vazão ao desejo de liberdade expresso por Anne em seu diário. "Propomos uma experiência artística que sensibilize as pessoas para uma sociedade mais inclusiva", diz ela, que é diretora da Inspirar-te, ONG que usa a arte para promover transformação social. "Estamos convidando os visitantes a se unirem à voz de Anne Frank e a gritarem: ‘Deixem-nos ser.’"

Anne Frank: Deixem-nos Ser

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.